sexta-feira, 14 de setembro de 2012

SENADORES!



Os senadores da República têm em mãos um projeto de Código Penal para o Brasil. Os leitores que já se detiveram sobre o texto terão percebido: o melhor destino dessa peça é o recipiente de lixo orgânico. Do reciclável periga retornar. Pergunto: como acolher por bom, um projeto que estabelece pena; de um a quatro anos, para quem se omitir, (art. 388), de prestar socorro a um "animal" - vale dizer, qualquer, ser vivo, pluricelular, heterotrófico, etc, etc, etc. - e pena de um mês com máximo de seis para quem se omitir de socorrer uma criança extraviada,  (artigo 132)? Ou, ainda  pode tramitar; como, coisa de serventia,  a uma proposta de Código Penal que quer pôr na cadeia por até quatro anos quem modificar um ninho de ave (art. 388), mas, transforma em elástico, vencido, e desbeiçado, as restrições, constitucionais e penais referentes ao aborto, com a inclusão da certificada incapacidade materna para cuidar do bebê (art. 128)? Tratando-se de seres humanos, não tem ninho, não tem nada: vai no, útero e mata o feto. Não é à toa que o professor Miguel Reale Júnior qualifica o projeto inteiro como uma obscenidade.
Alguém dirá - "Bem, isso tem conserto" - mas o projeto não pode ser melhorado pelos motivos que vêm sendo denunciados por eminentes juristas e criminalistas em todo o país, alarmados com as falhas técnicas, vocabulário errado, definições imprecisas e desproporcionalidades que berram dentro do projeto. Entenda-se. Precisávamos de um novo Código Penal. O velho, de tão remendado ficou irrecuperável. Era um caso perdido. Pois bem, assim como o velho não tinha solução, tampouco o anteprojeto proposto pelos notáveis de José Sarney tem compostura possível.
A intenção de votar aquele calhamaço de  545 artigos até o dia 4 de outubro é uma total irresponsabilidade! E a ideia de acrescer 30 dias a esse prazo, também.
Não se diga que me excedo. Não há qualquer exagero ou excesso em afirmar que esse projeto colide com valores, conceitos, senso de proporção e prioridades bastante consolidadas na sociedade brasileira. Prioridades, senso de proporção, conceitos e valores com os quais estamos habituados a lidar e fazem parte do nosso senso de justiça. No entanto, tudo isso vem sofrendo o ataque sistemático de grupos sociais, tão minoritários quanto influentes e organizados. O projeto do novo Código Penal reflete as posições desses segmentos, cada vez mais interessados em agir sobre as instituições nacionais para moldá-las segundo seus gostos e desgostos. As evidências de que há uma estratégia em curso enchem páginas, de jornais, e raros são os formadores de opinião dela divergentes. Como os eleitores devem ter percebido, estou falando do "politicamente correto", ao qual o projeto faz ensandecidas concessões, e de uma visão de Estado que a opinião pública rejeita. É por causa de ambas que o projeto legaliza o consumo de drogas e o pequeno tráfico. É por igual motivo que o projeto envolve com o manto da "exclusão de crime" o ato terrorista praticado individual ou coletivamente por pessoas movidas com intuito social ou reivindicatório, "desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à finalidade" (art.239).
O projeto fala a voz desses pequenos grupos de enorme influência, malgrado sua dissintonia com o Brasil real, ainda não contaminado pelo relativismo e pela degradação do humano em todas as suas dimensões. Zero Hora, 09/09/2012. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porco de Araújo. 14/09/2012.

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