Os
que foram para a luta armada no Brasil agiram com legitimidade moral? A
resposta afirmativa a essa pergunta não dissolve a anistia. Já a resposta
negativa desqualifica muitas das pretensões de seus militantes, seja no plano
político, seja no das indenizações. Em 1966, o regime vigente contava
dois anos, tinha amplo apoio popular e da mídia, e não dava sinais de
esmorecimento. O primeiro sangue correu no dia 25 de junho daquele ano. Foi um
atentado terrorista: a explosão de bomba no aeroporto de Guararapes, no Recife,
onde deveria desembarcar o general Costa e Silva. Dois mortos, uma dúzia de
mutilados e feridos. A tragédia só não foi maior porque uma pane no avião
obrigara o general a se deslocar por via terrestre e o anúncio dessa mudança
fizera com que a maior parte das pessoas já houvesse deixado o aeroporto no
momento da explosão. Andassem as coisas conforme planejara a Ação Popular,
teria ocorrido ali a maior chacina da história republicana.
Com a
indiscriminada impiedade do terrorismo, começou a luta armada no Brasil. Pois
bem, onde era ensinado o fabrico de bombas em nosso país? Não havia, aqui, qualquer
experiência com a produção de artefatos para ações terroristas. As escolas de
engenharia e os engenheiros não estavam para essas coisas. O leitor tem uma
chance de apontar no Google Earth (antigamente se diria no
"mapa-múndi") o lugar onde o construtor do artefato aprendeu as
técnicas para sua montagem. Se, colocou o dedo na ilha de Cuba, acertou. Foi
lá, naquele decantado paraíso da autodeterminação dos povos, que o ex-padre
Alípio de Freitas (indenizado pela Comissão de Anistia com mais de um milhão de
reais) recebeu instrução e treinamento para ser terrorista no Brasil. Se Fidel
não se importava com quanto sangue cubano fazia correr, não haveria de ser com
sangue brasileiro que se iria preocupar. E assim andou a resistência armada ao
regime de 1964: mais de uma centena de vítimas; assaltos a bancos e quartéis,
com morte de sentinelas, vigilantes e clientes; execuções de companheiros, sequestros e "justiça mento" de
adversários. Executaram um marinheiro inglês apenas por ser inglês. Por ser
norte-americano, mataram um capitão na frente da mulher e dos filhos.
Tendo presente o
caráter efetivamente autoritário do regime então vigente e o rigor da repressão
às organizações (cerca de uma centena) que partiram para a luta armada, a
pergunta que se impõe é a seguinte: os que militaram nesses grupos e cometeram
tais crimes agiram sob a proteção moral do direito de resistência à tirania?
Tal alegação é apresentada insistentemente como forma de legitimar os atos
cometidos.
É
importante esmiuçar um pouco essa questão. Se, é verdade que a sã filosofia, em
nome do bem comum e da dignidade da pessoa humana, sempre reconheceu a
existência de um direito de resistência à tirania, também é verdade que a mesma
sã filosofia impõe condições para legitimar o uso da violência com esse fim. Ou
seja, resistir à tirania é um direito. Empregar a violência para isso implica
certas condições e os militantes da luta armada não se enquadravam em muitas
delas, a saber: a) não estavam esgotados todos os meios pacíficos para reverter
á situação; b) havia uma clara desproporcionalidade entre os meios e os fins
(as ações violentas não conduziam ao objetivo proclamado); c) como o objeto de
toda insurreição é instaurar um novo poder, a nova ordem pretendida
(implantação de um regime comunista no Brasil) era sabidamente muito pior do
que o regime que enfrentavam; d) inexistia a certeza moral de que os
sofrimentos causados pela insurreição não seriam (como de fato não foram)
superiores aos benefícios esperados das ações violentas. Porque tudo isso foi
percebido com clareza pela sociedade brasileira, não houve qualquer apoio da
opinião pública aos atos praticados pelos guerrilheiros. O desejo de acender,
no estilo cubano ou chinês, focos revolucionários nos campos e nas cidades,
fracassou redondamente.
Ao contrário dos
intelectuais fanatizados por ideologias, o povo, o povo simples, sabe que não
se pega em armas e não se parte para a violência em má companhia, por uma causa
ruim. Autor: 24/07/2012; (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do
site articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Difusão: Geraldo de Araújo. 25/07/2012
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