segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

NA SENZALA DOS CASTRO

Poucas palavras definem tão bem a situação do povo perante o regime dos irmãos Castro quanto "escravidão". É uma escravidão um pouco diferente da que conhecemos nos livros de história, mas as restrições de liberdades e de direitos fundamentais, as relações de trabalho e as condições de vida não permitem outra descrição para a vida dos cubanos. O cidadão comum, o assim chamado "ciudadano de segunda", escravo do patrão estatal, não pode deixar o país, não decide em qual cidade ou região morar, não pode transferir um veículo se tiver sido adquirido depois de 1960, não pode trabalhar onde quiser nem para quem bem entender. E por aí vai. É uma escravidão sem lei do ventre livre. Filho de cubana já nasce escravo.
Recebi, esta semana, cópia de um manifesto firmado por economistas e dissidentes daquele país propondo um conjunto de vinte providências que contribuiriam para animar um pouco a atividade econômica e aliviar a letargia socialista em que o país se encontra, segundo diagnóstico do próprio regime. Examinando-se a lista, da qual o parágrafo anterior faz pequeno extrato, se evidencia a escravidão de que aqui trato, seja pela privação de direitos, seja pela obrigação de trabalhar por um salário miserável (algo como 17 dólares mensais). Em troca, os grandes senhores do generoso regime fornecem a seus escravos, para que lhes lambam as botas (e para que os comunistas do exterior os defumem com incenso) serviços públicos de educação e saúde. Ponto. O restante do PIB nacional custeia o formidável e opressor aparelho de segurança interna, a elite política e a inesgotável ciranda de fracassos a que invariavelmente chegam as experiências coletivistas concebidas pelo Comandante e seus asseclas. Quando estive em Havana pela primeira vez, no ano de 2001, fui visitar a embaixada brasileira. Ela ocupa o quarto andar do excelente prédio da Lonja de Comércio (Bolsa de Valores), uma edificação do século XIX, recentemente restaurada. Fui recebido pelo secretário. Enquanto conversávamos, entrou na sala uma moça de cor negra que lhe dirigiu algumas palavras em espanhol e se retirou deixando expedientes sobre a mesa. Quando ficamos novamente a sós, ele explicou que a moça era cubana, excelente funcionária, contratada junto a uma das duas agências oficiais através das quais o governo loca mão-de-obra para organizações estrangeiras. A embaixada fornecera uma descrição do perfil da pessoa que necessitava, a agência estabelecera o valor da remuneração em 200 dólares mensais, enviara algumas moças para serem entrevistadas e aquela havia sido escolhida. Dos 200 dólares com que a embaixada remunerava a agência, a moça recebia, em pesos (!), o equivalente, a 20 dólares. Os restantes 90% ficavam para seu generoso patrão, o Estado cubano, dono e senhor de suas capacidades e de seu destino. Diante dessa dura realidade, a representação brasileira incluíra a funcionária em sua folha de pagamentos.
"E os cubanos não protestam?", perguntam-me, frequentemente, quando conto estas coisas. Respondo: protestar faz mal para a saúde pessoal e familiar. Tudo em Cuba está aparelhado pela máquina estatal, pelo partido e pela segurança interna (atividade a cargo do poderosíssimo Ministério do Interior, o temido Minint). E um bom exemplo desse aparelhamento está sendo dado agora. No dia 13 de setembro, Raúl Castro anunciou que o governo iria demitir 500 mil trabalhadores nos seis meses seguintes e que esse número correspondia à metade do necessário para cumprir o programa total de demissões, que abrangeria um quinto da força de trabalho do setor público. Note-se que, na forma do programa, cada dez anos trabalhados dão direito a um mês de salário a título de "indenização"...
Por algo infinitamente menor, um acréscimo de dois anos na idade mínima para aposentadoria, os franceses quase incendiaram a França. Em Cuba não acontece coisa alguma. O governo demite um em cada cinco trabalhadores e a CTC (Confederação de Trabalhadores de Cuba) emite comunicado de apoio dizendo ser "sabido que o excesso de vagas é de mais de um milhão nos setores orçamentário e estatal" e que "o Estado não pode nem deve continuar a manter empresas com quadro de funcionários inflados, que criam empecilhos para a economia e deformam a conduta dos trabalhadores".
Nos totalitarismos é assim. Acontecem coisas desse tipo. Não há surpresas aí, portanto. O que não se pode entender é o comportamento de quantos, fora de Cuba, aplaudem os maus tratos impostos àquela pobre gente que trocou os poucos meses que faltavam para terminar a ditadura de Batista pelos 52 anos que já dura sua escravidão na senzala dos Castro.
Autor: Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões. Difusão: Geraldo Porci de Araújo

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