A
adoção de cotas raciais para ingresso na universidade pública suscita
polêmicas. A UFRGS, alinhada com a lei federal, favorece os alunos oriundos de
escolas públicas e, adicionalmente, os de escolas públicas que se declarem
negros. Foi o que decidiu seu Conselho Universitário, cujos membros agiram
convictos de haver servido à nobre causa da Justiça.
Será
mesmo? Não será essa uma forma de fazer "justiça" a uns ó, custas da
injustiça praticada contra outros? O altruísmo é virtuoso porque implica
renúncia voluntária ao próprio bem em favor do alheio. Mas não o é quando
praticado com o bem ou com o direito de terceiros. Incontestável: os alunos com
bom desempenho, que perdem vagas para alunos com desempenho inferior, por força
das cotas, são vítimas de injustiça que lhes é imposta. Não são eles os
responsáveis pelas mazelas sociais do país.
O
que está dito acima é simples fato. Não é argumento. Aliás, para argumentar
contra o sistema, tampouco preciso desse disparate que é acolher entre os
beneficiados das cotas alunos oriundos de alguns dos mais seletos e
prestigiados estabelecimentos de ensino público do Estado: Colégio Militar,
Colégio Tiradentes e Colégio de Aplicação. Dispenso, igualmente, o fato de a
condição "racial" ser auto, declaratória e nem sempre veraz.
Descarto, também, a substituição por cotas sociais, mesmo que estas sejam mais
abrangentes e menos preconceituosas. Dispenso-me, por fim, de lembrar aos
idosos esquecidos e aos jovens que, há meio século, as mulheres estavam em
casa, dedicadas às prendas domésticas. Sem cotas, sem privilégios, com muita
perseverança, ao longo dos anos, abriram as portas das universidades e hoje são
majoritárias nos cursos mais seletos e nas principais carreiras de Estado.
A
injustiça tem que ser combatida onde inicia em vez de ser disfarçada onde se torna visível. Se o ensino público
compromete o desenvolvimento intelectual de centenas de milhares de estudantes
do ensino fundamental e médio, ano após ano, de que, vale; a UFRGS admitir nos
seus cursos apenas algumas dezenas de alunos cotistas? Aliás, recente matéria
de ZH mostrou que o grau de reprovação destes é quatro vezes maior do que o dos
demais. Há uma usina da injustiça operando na Educação. Sem a desmontar,
mediante investimentos pesados nos seus recursos humanos, materiais e
tecnológicos, tudo mais será pouco relevante. Não é o vestibular que está
errado. Errado está o ensino público de nível fundamental e médio.
Injusta,
quase criminosamente injusta, é a gratuidade do ensino superior para quem possa
pagar por ele. Bilhões de reais que poderiam favorecer o ensino fundamental e
médio são perdidos nessa desnecessária gratuidade! Injusto de doer é que o
custeio dessa regalia provenha de impostos pagos por todos nós. Inclusive pelos
mais pobres dentre os pobres. Inclusive pelo trabalhador cujo filho não passa
na universidade pública nem pode custear a particular. Mas esse modelo perverso
conta com as unhas e os dentes da esquerda em sua defesa. Até os analfabetos
sabem (não é preciso ir às universidades perguntar) que a reprodução da
injustiça, no que concerne à Educação, se dá na base do sistema. As raízes
grossas da iniqüidade não estão na porta de entrada da faculdade e independem
da cor da pele do vestibulando. Elas estão nos parcos recursos destinados à
escola pública, no professor mal pago e desestimulado, bem como nas demagogias,
corporativismos e ideologizações em que tudo, absolutamente tudo, se enreda
neste país.
Zero
Hora, 12/02/2012. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porci de Araújo.
13/02/2012.
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