Você
lembra, de já ter assistido a algum filme estrangeiro cuja projeção fosse
antecedida pela apresentação de uma lista de patrocinadores? Eu não. O que se
vê são os nomes de uma ou mais empresas produtoras que uniram esforços e
recursos para fazê-lo. Filmes são, concebidos como investimentos de cuja
comercialização e esperado um ganho financeiro. Quando dá certo, os produtores
ganham dinheiro. Quando dá errado, têm prejuízo. Se os espectadores gostam,
patrocinam o lucro na proporção dos ingressos que adquirem. Quando não gostam,
o prejuízo fica com quem avaliou mal o negócio ou não o conduziu bem.
No
Brasil não é assim. Aqui, qualquer coisa com som é música, qualquer texto é
literatura, qualquer lixo filmado é cultura e tudo cabe sob o guarda-chuva das
leis que incentivam atividades culturais. Se por escrever isto eu for acusado
de discricionário e preconceituoso, que o seja. O padrão cultural do povo
brasileiro rampa abaixo e nós gastando dinheiro escasso para financiar coisas
como "Lula, o filho do Brasil"? Cultura? Fala sério!
Pois
bem, essas leis permitem a captação de recursos junto a contribuintes que se
disponham a orientar para tais atividades uma fração dos tributos que deveriam
recolher. A produção cinematográfica - embora voltada dominantemente para o
lazer - está abrangida por essa possibilidade. A maior parte dos filmes vira,
então, um negócio, sem risco, assumidos os custos, no todo ou em parte, pela
sociedade pagadora de impostos. É o melhor dos mundos. Os mais reverenciados
patrocinadores de eventos culturais são as poderosas empresas estatais cujas
marcas freqüentam as salas de projeção posando de mecenas com o dinheiro do
povo. E não requer muito esforço intuir sobre a natureza dos alinhamentos e
comprometimentos que presidem as concessões de tais incentivos. Andando por
esses critérios e caminhos, o dinheiro do contribuinte é deslocado para
aplicações que ele jamais autorizaria. Seus critérios convergiriam para
prioridades situadas vários degraus acima da indústria do lazer.
Mas
a coisa vai além. Nos anos 90, surgiram no cenário nacional as agências
reguladoras. São pessoas jurídicas de direito público, geralmente em forma de
autarquias, concebidas para regular a atividade de setores estratégicos da
economia que, ou são totalmente atribuídos à iniciativa privada, ou dela têm
forte participação. No dia de sua criação, dormem assim, sobre o travesseiro
das melhores intenções. Mas já na manhã seguinte acordam como objeto de
disputas partidárias, transformadas em moeda de troca no balcão dos apoios
políticos. Algumas dessas agências reúnem representações do poder público, das
empresas envolvidas na atividade regulada e dos consumidores. Mas não me ocorre,
uma só ordem os interesses, deste último pagador, de todas as contas, tenha a
devida relevância.
A
Agência Nacional do Cinema (Ancine) é uma agência reguladora. Desde 2001,
convergem para ela a regulamentação e o controle das proteções que regem a
produção e exibição de filmes nacionais no Brasil. Entre as providências
adotadas pela Ancine - com amparo legal, diga-se de passagem – está á exigência
de um determinado percentual de projeções destinado a filmes brasileiros nos
cinemas e na televisão, inclusive nas tevês a cabo. Ou seja, já não basta usar
recursos do contribuinte para financiar o que dá lucro e indenizar o que dá
prejuízo. Em nome da proteção à "cultura" nacional, regulamenta-se a
atividade de um modo que obriga o exibidor a abdicar de uma parte de seu
empreendimento. É imposta a ele a tarefa de tentar vender o que poucos querem
comprar, porque se houvesse público interessado, maior ainda seria o interesse
do exibidor em comercializar o produto. E dá-lhe pornochanchada na tevê a cabo.
Não
sou dos que crêem que o mercado resolve tudo. Mas isso que pretendem para os
filmes brasileiros é o mesmo que obrigar todas as lojas de roupas no Rio Grande
do Sul, por exemplo, a reservar um espaço das vitrinas e prateleiras para
exibir bombachas, guaiacas e apetrechos do gênero.
Autor: Percival Puggina (67) é arquiteto,
empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Diofusão: Geraldo Porci de Araújo.
07/03/2012.
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