Por que vês tu o
cisco no olho do teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio
olho?" (L c 6, 39-42) Numa de suas parábolas, Jesus propõe a indagação
acima para induzir os circunstantes a refletir sobre a própria conduta. A imagem
contundente que usou pode ser aplicada, o tempo todo, às mais variadas
situações porque, de fato, nossa atenção aos erros alheios é inversamente
proporcional à que dedicamos aos erros que cometemos.
Mas
não é sobre moral ou religião que escrevo. É sobre o que está acontecendo com a
economia brasileira neste momento em que começam a pipocar, aqui e ali,
pequenos registros sobre o processo de desindustrialização em curso no Brasil. Quando
comecei a falar nisso, ainda em 2010, em programas de rádio e tevê, as pessoas
me olhavam como se uma ave de mau agouro tivesse pousado no microfone.
Só faltava me dizerem - Xô! Era um tempo de
euforias eleitorais, quando fazia parte do jogo afirmar que estava tudo muito
bem, ainda que não fosse assim. Era um tempo em que o devidamente aparelhado
IPEA cuidava de servir à mídia um indicador positivo por dia. Hoje, é a própria
indústria brasileira de bens de consumo que proclama: está difícil exportar
porque nossos preços não são competitivos e resulta impossível vender no mercado
interno, pois grande número de produtos importados chega às prateleiras com
preços inferiores aos custos locais de produção. Cansei de advertir: a) que
estávamos retornando ao perfil de país produtor de bens primários que tivemos
na primeira metade do século passado; b) que voltávamos a ser meros
exportadores de matérias-primas; c) que o Brasil não era valorizado lá fora
como fornecedor, mas como mercado; d) que uma economia baseada na venda de
commodities não paga bons salários para a massa trabalhadora e não gera
desenvolvimento social sustentável; e) que, diferentemente dos Estados Unidos,
nós não podíamos nos dar ao luxo da desindustrialização porque ainda obtínhamos
notas de reprovação em desenvolvimento tecnológico. Pois mesmo diante desse quadro
continuamos apontando cisco no olho dos
outros. O culpado é o câmbio! Com esse dólar não tem jeito! O dólar e o euro
estão sub- apreciados porque convém às exportações dos respectivos países! A
culpa é dos ricos! A culpa é dos ianques! A culpa é dos outros! Eles não cuidam
de seus desequilíbrios fiscais! Eles - oh, eles! - seguem a Lei de Gerson e
querem vantagem em tudo... E a trave no nosso olho? Como pode a sexta economia
mundial responder por pouco mais de um por cento do comércio internacional?
Pois é. Como pode? Anote aí, leitor: mesmo com esse dólar, tivéssemos feito o
que nos corresponde, conseguiríamos ser competitivos além das commodities (que
compõem um mercado faminto, eminentemente comprador). No entanto, as traves no
nosso olho são irritantes e causam cegueira. Com educação de baixíssimo nível;
recursos humanos operosos, mas pouco produtivos; transportes usando o modal
mais caro e em más condições, sem ferrovias nem hidrovias; energia caríssima
apesar de dispormos de fontes hidroelétricas em abundância; carga tributária
chegando a 37% do PIB e um sistema oneroso de pagamento e controle; a maior
taxa de juros do mundo; e por aí vai - como ser competitivo? Tudo que descrevi
neste parágrafo é responsabilidade nossa e muito pouco foi diligenciado. É a
trave no nosso olho. Tivéssemos feito o dever de casa, conseguiríamos ser
competitivos e faríamos rodar nossa indústria mesmo com o dólar no patamar
atual. Mas preferimos apontar o cisco no olho da Europa e dos Estados Unidos. Autor:
Percival Puggina (67) é arquiteto,
empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 14/03/2012.
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