Usando
as palavras do macaco Sócrates no extinto programa humorístico Planeta dos
homens: ...Eu só queria entender. No infinito conjunto das diferenças que
permitem tornar distinguíveis entre si bilhões e bilhões de pessoas só há uma
coisa em que todas são rigorosamente iguais - a dignidade natural. Da rainha
Elizabeth ao selvagem txucarramãe, todo ser humano, é portador da mesma
eminente dignidade. Desse ensinamento, nascido da tradição judaico-cristã,
derivou o que de melhor se pode colher no pensamento ocidental para inspirar a
busca da harmonia em meio às diversidades. Constatar que as diversidades,
existem, a reconhecer méritos de deméritos, sem alguns, dos inúmeros atos
cotidianos que podem implicar diferenciação e discernimento sem, contudo,
representarem agressão a alguém. Mas nem sempre é assim.
Todos
já presenciamos discriminações ofensivas à dignidade humana em virtude, por
exemplo, de pobreza, raça, defeitos físicos, deficiências mentais, sexo e
inclinação sexual, religião, posição social. Quem barra o negro por ser negro,
segrega, o índio por ser índio, vira as costas ao pobre por ser pobre,
ridiculariza o feio, por que, ser feio, e abandona; no enfermo, por ser
enfermo, impede o crente de se manifestar por ser crente, ou agride o
homossexual por ser homossexual, comete transgressão que pode, conforme o caso,
caracterizar delito sujeito às penas da lei. São muitas as formas em que se
manifesta essa discriminação viciosa, quando não criminosa. Em todos os casos,
quem resulta afrontada é a pessoa humana em sua dignidade, em sua integridade e
em seus direitos. Ponto. Submeter alguém a trabalho escravo, por exemplo, é
ofensa à dignidade de um ser humano e não a um ser humano branco, ou negro, ou
pobre, ou mestiço. Essa ideia de classificar as pessoas segundo o que as
distingue é coisa de marxista. E leva à clássica simplificação a que chegam os
totalitarismos nos quais as pessoas ou são companheiras ou são inimigas.
Um
dos resultados dessa reclassificação da humanidade por classe, gênero, ordem,
espécie, como se fôssemos insetos, leva aos atuais absurdos. Determinados
grupos sociais que se têm como objetos de discriminação, passam a exigir
agravamento de penas para os delitos praticados contra indivíduos do respectivo
grupo ou subgrupo e/ou reclamam tratamento privilegiado em determinadas
circunstâncias do cotidiano social. Denominam a isso de discriminação positiva.
Tal expressão e as respectivas práticas nasceram nos Estados Unidos com o nome
de "positive discrimination", recentemente substituído por "afirmativa
action" como forma de contornar o peso negativo da palavra discriminação
que é inerente a essas políticas. É como se os respectivos indivíduos e grupos
emergissem para um esta mento social superior ao dos demais, catapultados por
presumíveis créditos coletivos.
São
ideias que me vêm à cabeça quando vejo, por exemplo, um advogado de 35 anos
sendo indenizado por ter nascido em Londres. E o que é pior: recebendo a
indenização. Esse rapaz era neto de um fazendeiro riquíssimo, chamado João
Belchior Marques Goulart. Na condição de descendente de um avô exilado, passou
pelo terrível constrangimento de nascer e viver alguns anos na Europa. Querem
outro exemplo? Duas colegas e amigas, egressas do mesmo curso superior, prestam
concurso público. Uma é branca e a outra, negra. Durante as provas, amigas que
são, acompanham os respectivos desempenhos. A moça branca sai-se melhor. No
entanto, a amiga, que se inscreveu como cotista, conseguiu aprovação e
nomeação, ao passo que a outra, embora com melhores notas, ficou de fora. Não
se tratava, aqui, de franquear a alguém o ingresso num curso universitário
alargando-lhe a porta do vestibular. O que também seria abusivo. Não. Ambas já
haviam superado essa fase. Ambas portavam idêntico diploma do mesmo curso
superior. A que foi aprovada no concurso não obteve sucesso pela produtividade
intelectual, mas pela produtividade de melanina.
Não
existe melhor maneira de uma sociedade enredar-se num novelo de injustiças e
contradições do que desconhecer a igual dignidade de todos os seus membros.
Autor:
Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Difusão: Geraldo Porci
de Araújo.
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