domingo, 20 de maio de 2012

NÃO PRECISA EXPLICAR



Usando as palavras do macaco Sócrates no extinto programa humorístico Planeta dos homens: ...Eu só queria entender. No infinito conjunto das diferenças que permitem tornar distinguíveis entre si bilhões e bilhões de pessoas só há uma coisa em que todas são rigorosamente iguais - a dignidade natural. Da rainha Elizabeth ao selvagem txucarramãe, todo ser humano, é portador da mesma eminente dignidade. Desse ensinamento, nascido da tradição judaico-cristã, derivou o que de melhor se pode colher no pensamento ocidental para inspirar a busca da harmonia em meio às diversidades. Constatar que as diversidades, existem, a reconhecer méritos de deméritos, sem alguns, dos inúmeros atos cotidianos que podem implicar diferenciação e discernimento sem, contudo, representarem agressão a alguém. Mas nem sempre é assim.
Todos já presenciamos discriminações ofensivas à dignidade humana em virtude, por exemplo, de pobreza, raça, defeitos físicos, deficiências mentais, sexo e inclinação sexual, religião, posição social. Quem barra o negro por ser negro, segrega, o índio por ser índio, vira as costas ao pobre por ser pobre, ridiculariza o feio, por que, ser feio, e abandona; no enfermo, por ser enfermo, impede o crente de se manifestar por ser crente, ou agride o homossexual por ser homossexual, comete transgressão que pode, conforme o caso, caracterizar delito sujeito às penas da lei. São muitas as formas em que se manifesta essa discriminação viciosa, quando não criminosa. Em todos os casos, quem resulta afrontada é a pessoa humana em sua dignidade, em sua integridade e em seus direitos. Ponto. Submeter alguém a trabalho escravo, por exemplo, é ofensa à dignidade de um ser humano e não a um ser humano branco, ou negro, ou pobre, ou mestiço. Essa ideia de classificar as pessoas segundo o que as distingue é coisa de marxista. E leva à clássica simplificação a que chegam os totalitarismos nos quais as pessoas ou são companheiras ou são inimigas.
Um dos resultados dessa reclassificação da humanidade por classe, gênero, ordem, espécie, como se fôssemos insetos, leva aos atuais absurdos. Determinados grupos sociais que se têm como objetos de discriminação, passam a exigir agravamento de penas para os delitos praticados contra indivíduos do respectivo grupo ou subgrupo e/ou reclamam tratamento privilegiado em determinadas circunstâncias do cotidiano social. Denominam a isso de discriminação positiva. Tal expressão e as respectivas práticas nasceram nos Estados Unidos com o nome de "positive discrimination", recentemente substituído por "afirmativa action" como forma de contornar o peso negativo da palavra discriminação que é inerente a essas políticas. É como se os respectivos indivíduos e grupos emergissem para um esta mento social superior ao dos demais, catapultados por presumíveis créditos coletivos.
São ideias que me vêm à cabeça quando vejo, por exemplo, um advogado de 35 anos sendo indenizado por ter nascido em Londres. E o que é pior: recebendo a indenização. Esse rapaz era neto de um fazendeiro riquíssimo, chamado João Belchior Marques Goulart. Na condição de descendente de um avô exilado, passou pelo terrível constrangimento de nascer e viver alguns anos na Europa. Querem outro exemplo? Duas colegas e amigas, egressas do mesmo curso superior, prestam concurso público. Uma é branca e a outra, negra. Durante as provas, amigas que são, acompanham os respectivos desempenhos. A moça branca sai-se melhor. No entanto, a amiga, que se inscreveu como cotista, conseguiu aprovação e nomeação, ao passo que a outra, embora com melhores notas, ficou de fora. Não se tratava, aqui, de franquear a alguém o ingresso num curso universitário alargando-lhe a porta do vestibular. O que também seria abusivo. Não. Ambas já haviam superado essa fase. Ambas portavam idêntico diploma do mesmo curso superior. A que foi aprovada no concurso não obteve sucesso pela produtividade intelectual, mas pela produtividade de melanina.
Não existe melhor maneira de uma sociedade enredar-se num novelo de injustiças e contradições do que desconhecer a igual dignidade de todos os seus membros.
Autor: Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 

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