Quem
já passou pela porta que dá acesso às salas de embarque doméstico do aeroporto
de Guarulhos, em São Paulo, sabe do que estou falando. Além daquela porta tudo
se torna impreciso. Esfumam-se os compromissos, dissolvem-se as agendas, o
futuro se faz incerto e a paciência é testada além das fronteiras da
civilidade. Inevitavelmente me vêm à
mente, ao ingressar naquele círculo de horrores, a sentença que Dante
Alighieri esculpiu nos umbrais do Inferno: "Abandonai toda esperança, vós
que entrais".
Recentemente
tocou-me estar ali. Meu voo deveria sair às 8 horas, mas somente consegui
embarcar lá pelas 2 da tarde, após várias mudanças de sala de espera. Aliás,
naquele aeroporto, coincidirem número de voo e portão de embarque é uma proeza
irrealizável. De tempos em tempos a gente troca de sala de espera e com isso
vai-se sabendo um pouco da vida de muito mais gente.
Pois
bem! Enquanto uma funcionária da empresa aérea! Corria de sala em sala
chamando, na base do grito, os passageiros de determinado voo (trata-se de um
interessante sistema de aviso sonoro que elimina a fria impessoalidade metálica
dos alto falantes) comentei alguma coisa com um vizinho de banco a respeito do
caos reinante. Respondeu-me ele com uma fé inabalável buscada na sacristia de
suas confianças cívicas: "Até a Copa de 2014 tudo estará
solucionado".
Horas
mais tarde, já embarcado, as palavras ainda ressoavam em minha mente. Até a
Copa. Quando a Copa começar. Em 2014. Por enquanto vamos assim, mas em 2014...
Percebi que esse mesmo ano integra o horizonte de todas as promessas eleitorais
de 2010. Aqui no Rio Grande do Sul, os horas mais tarde, já embarcado, as
palavras ainda ressoavam em minha mente. Até a Copa. Quando a Copa começar. Em
2014. Por enquanto vamos assim, mas em 2014... Percebi que esse mesmo ano
integra o horizonte de todas as promessas eleitorais de 2010. Aqui no Rio Grande
do Sul, os principais, temas suscitados na, campanha sucessória, do ano passado.
Teve mais candente no discurso, oposicionistas que levou, ao poder, o candidato
Tarso Genro, foram imediatamente, capitulado, para aquele ano, o ano da Copa, o
término do mandato, o ano da graça de 2014. No plano federal, chega a ser
surpreendente, que, as mesmas, pessoas, que acreditaram no discurso, de que
tudo já estava resolvido. Em 2010, agora firmem convicção de que tudo estará
resolvido em 2014.
Contaram-me
sobre uma senhora que levou o filho pequeno para cirurgia de fimose num
hospital credenciado junto ao SUS. Demorou tanto a marcação do procedimento que
quando chamado, o paciente, já idoso, relatou um problema de próstata. Exagero,
exagero. Mas tudo estará solucionado em breve. Dos gargalos do SUS à supremacia
numérica, bélica e organizacional da bandidagem em relação às forças policiais.
E a própria corrupção. Dizem que ela vai acabar graças ao fim dos sigilos e aos
utilíssimos portais da transparência. Já pensaram? Um corrupto flagrado num
portal desses? Que desprestígio para a categoria! É caso para expulsão do
sindicato. Mas por enquanto vamos assim, sabendo que tudo estará resolvido até
2014, ano da Copa.
Autor:
Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do articulista de Zero Hora e de dezenas de
jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a
tragédia da utopia e Pombas e Gaviões. Difusão:
Geraldo Porci de Araújo. 21/05/2012.
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