Quando o Brasil festejou a realização da Copa de 2014 em nosso país como se fosse uma dádiva dos céus, eu me contei entre os raras vozes que sugeriram devolver o brinde ao senhor Joseph Blatter alegando que somos uma nação amiga do futebol e não merecíamos tamanha punição. Qual! A Pátria se tapou de orgulho e abraçou a imensa bronca como se o evento tivesse outro mérito além de transferir dinheiro do contribuinte brasileiro, a granel, como commodity, para as insaciáveis moegas da corrupção e da FIFA. É a tradicional sociedade da experiência com a grana: quem tem a experiência fica com a grana e quem tinha a grana fica com a experiência.
Num desses artigos, escrevi que "se fosse bom negócio, não faltariam empreendedores interessados em bancar a festa porque sobra, no mundo, dinheiro com tesão para o crescei e multiplicai-vos.
O evento da FIFA, no entanto, precisa dos governos em virtude da insaciável atração que essas instituições têm por negócios que fecham no vermelho. A entidade promotora reserva-se o filé: os direitos de transmissão e os patrocínios oficiais, que negocia e protege com todo rigor.
Na África do Sul chegou a processar uma fabriqueta de pirulitos que envolveu o sofisticado produto num papel onde se via uma bola de futebol, a bandeira do país e o número 2010". Para que todos saibam quem são os donos da bola.
Passados quase quatro anos do desastroso anúncio, minhas piores previsões se revelam otimistas. A tradicional morosidade de tudo que, em nosso país, envolve providências do setor público, já gerou aquele clima que fornece riqueza ilícita em espeto corrido aos espertalhões. Toca a obra a qualquer preço! Bateu o pavor e sumiu o pudor. Tentou-se até regulamentar a bandalheira, mostrando em que sentido o Brasil é o país de todos. De todos os vivaldinos, de todos os corruptos e corruptores, e de todos os anseiam viver simultaneamente à margem e à sombra da lei.
Observe, leitor, que no setor público é exatamente como na sua casa. Os cem reais gastos para assistir um show, por exemplo, não podem ser usados no supermercado. Serão necessários outros cem reais para tais compras. Se você for ao show e não houver outros cem para abastecer a despensa, a alimentação vai escassear. Pois bem, a irresponsável condução da política econômica do governo no último quadriênio de Lula encurtou o cobertor das finanças públicas. Estamos na base do "ou isto ou aquilo". Os ministros se esbofeteiam retoricamente por verbas porque já sabem que não há como atender simultaneamente aquilo e isto. Então, passamos a conviver com uma realidade assustadora, indigna, repugnante: dentro de três anos, quando as seleções começarem a desembarcar nos aeroportos brasileiros (se não houver cerração), para cada paciente do SUS ocupando um pedaço de chão dos nossos hospitais, ou na fila de espera dos postos de saúde, teremos um torcedor instalado em confortável poltrona nos luxuosos estádios exigidos pelos donos da bola. Carro zero e dez mangos no tanque! Tudo bem à moda de Brasília e alinhado com a cada vez mais pervertida escala de valores da sociedade brasileira. É o circus sem panis.
Será que ainda não há tempo para um encontro com a sensatez, com o pudor, com o incontornável mundo dos fatos, devolvendo o evento à FIFA? Esse gesto não nos diminuiria perante as outras nações. Bem ao contrário, seria um ato de grandeza. Mas acho que é exatamente aí que reside a maior dificuldade.
Autor: Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de de/zenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e */Pombas e Gaviões. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 07/8/2011.
Num desses artigos, escrevi que "se fosse bom negócio, não faltariam empreendedores interessados em bancar a festa porque sobra, no mundo, dinheiro com tesão para o crescei e multiplicai-vos.
O evento da FIFA, no entanto, precisa dos governos em virtude da insaciável atração que essas instituições têm por negócios que fecham no vermelho. A entidade promotora reserva-se o filé: os direitos de transmissão e os patrocínios oficiais, que negocia e protege com todo rigor.
Na África do Sul chegou a processar uma fabriqueta de pirulitos que envolveu o sofisticado produto num papel onde se via uma bola de futebol, a bandeira do país e o número 2010". Para que todos saibam quem são os donos da bola.
Passados quase quatro anos do desastroso anúncio, minhas piores previsões se revelam otimistas. A tradicional morosidade de tudo que, em nosso país, envolve providências do setor público, já gerou aquele clima que fornece riqueza ilícita em espeto corrido aos espertalhões. Toca a obra a qualquer preço! Bateu o pavor e sumiu o pudor. Tentou-se até regulamentar a bandalheira, mostrando em que sentido o Brasil é o país de todos. De todos os vivaldinos, de todos os corruptos e corruptores, e de todos os anseiam viver simultaneamente à margem e à sombra da lei.
Observe, leitor, que no setor público é exatamente como na sua casa. Os cem reais gastos para assistir um show, por exemplo, não podem ser usados no supermercado. Serão necessários outros cem reais para tais compras. Se você for ao show e não houver outros cem para abastecer a despensa, a alimentação vai escassear. Pois bem, a irresponsável condução da política econômica do governo no último quadriênio de Lula encurtou o cobertor das finanças públicas. Estamos na base do "ou isto ou aquilo". Os ministros se esbofeteiam retoricamente por verbas porque já sabem que não há como atender simultaneamente aquilo e isto. Então, passamos a conviver com uma realidade assustadora, indigna, repugnante: dentro de três anos, quando as seleções começarem a desembarcar nos aeroportos brasileiros (se não houver cerração), para cada paciente do SUS ocupando um pedaço de chão dos nossos hospitais, ou na fila de espera dos postos de saúde, teremos um torcedor instalado em confortável poltrona nos luxuosos estádios exigidos pelos donos da bola. Carro zero e dez mangos no tanque! Tudo bem à moda de Brasília e alinhado com a cada vez mais pervertida escala de valores da sociedade brasileira. É o circus sem panis.
Será que ainda não há tempo para um encontro com a sensatez, com o pudor, com o incontornável mundo dos fatos, devolvendo o evento à FIFA? Esse gesto não nos diminuiria perante as outras nações. Bem ao contrário, seria um ato de grandeza. Mas acho que é exatamente aí que reside a maior dificuldade.
Autor: Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de de/zenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e */Pombas e Gaviões. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 07/8/2011.
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