Está em discussão na Câmara de
Vereadores de Porto Alegre um projeto de lei que pretende mudar o nome da
Avenida Castelo Branco para Avenida da Legalidade. A vereadora do PSOL que teve
a iniciativa do projeto alega que Castelo Branco foi o primeiro presidente do
regime militar, um ditador segundo ela, e que a homenagem, portanto, não se
justifica.
A primeira contestação salta aos olhos
de qualquer analfabeto. Como ficam, perante esse critério, tantas ruas, praças
e avenidas com o nome de Getúlio Vargas (para não mencionar Floriano Peixoto,
Julio de Castilhos, Borges de Medeiros e tantos outros)? Getúlio implantou uma
ditadura duríssima entre 1937 e 1945. A vereadora contrapôs aos que lhe
apresentavam esse argumento, que
Getúlio, antes de ser ditador, havia sido eleito... Impressionante
desconhecimento de história! Getúlio Vargas disputou a eleição presidencial de
1930, contra o paulista Julio Prestes e perdeu por uma diferença de 300 mil
votos, numa eleição com 1,8 milhão, de votantes. As alegações de fraudes
surgiram de parte a parte e parecem bem prováveis diante do fato de que nosso
conterrâneo fez 100% dos votos do Rio Grande do Sul! Aliás, João Neves da
Fontoura, logo após o pleito, afirmou, em um dos muitos prenúncios da revolução
que se seguiria: "Com esses homens e essas leis essa foi a última eleição
presidencial no Brasil". Portanto, Getúlio assumiu a presidência em 1930,
conduzido por um levante armado que depôs o presidente Washington Luís e
impediu a posse do recentemente eleito Júlio Prestes. Foi como chefe de um
Governo Provisório que exerceu o poder até 1934, revogadas por decreto as
garantias da Constituição de 1891. Em 1934, ante as insistentes pressões
legalistas que já haviam eclodido em São Paulo em 1932, convocou uma
Constituinte. Foi essa Constituinte que, por via indireta, o elegeu para um
novo mandato com início em 1934 (Castelo, aliás, também foi eleito pelo
Congresso). Quando se aproximava o fim desse segundo período, Vargas instaurou
o Estado Novo, tornando-se ditador até ser deposto em 1945. Portanto, ele só
chegou ao poder pelo voto popular na eleição presidencial de 1950.
Não surpreende a incoerência da
vereadora nem seu desconhecimento da recente história republicana. Para
determinadas ideologias, a história funciona como um armário de utilidades, uma
despensa onde se apanha o que for necessário para cozinhar segundo as receitas
do momento. Reprovar a ditadura de Vargas não serve porque o são-borjense foi
mitificado no imaginário nacional. O afastamento entre a deposição de Getúlio e
a posse de Castelo foi de apenas vinte anos. E nós estamos a meio século dos
fatos de 1964! Contudo, embora as circunstâncias nacionais e internacionais de
cada época estejam devidamente disponíveis nas prateleiras da história, não há,
para a esquerda hegemônica conveniência política em ir buscá-las. Por quê?
Porque existem correntes políticas que precisam do conflito, do antagonismo.
Quanto maior aquele e mais exacerbado este, melhor.
Não se trata de andar na direção de
qualquer êxito político porque o sucesso da política é a superação do conflito.
Aliás, a política não existe para promover confrontos, mas para superá-los. E
incontáveis vezes, na história dos povos, ela dá solução a traumas e disputas
que o Direito não consegue resolver. Foi o caso das tantas anistias ocorridas
ao longo da nossa história. Foi o caso, inclusive, desta última,
constitucionalizada, que as mesmas correntes ideológicas de hoje querem revogar
por muitos modos. Entre eles, pela substituição de nomes de logradouros
públicos. Em quaisquer de suas expressões, andam além da margem de qualquer
êxito político, no bom sentido dessa palavra. São isto sim, sintomas de uma
nostalgia enfermiça em relação àquele terrível ambiente político, geopolítico e
ideológico que instauraram, em escala mundial, durante o século passado. Autor:
Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Difusão Geraldo Porci de Araújo. 12/12/2011.
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