domingo, 19 de setembro de 2010

A ARAPUCA

Zero Hora, 18 de março de 2007. O debate político costuma se concentrar nas questões ideológicas. É em torno delas que se dividem as opiniões e se constroem os discursos. Vocábulos como conservador, reacionário, liberal, comunista, socialista e suas variações são empregados, simultânea e reciprocamente, para atacar ou defender pontos de vista. No fundo, porém, seja na mesa do bar, nas salas de aula, ou nos parlamentos, tudo se resume em esquerda e direita.
O que pretendo aqui é alertar para uma armadilha retórica que a esquerda usa como pedacinhos de pão para atrair inocentes e incautas pombinhas à sua gaiola. Se há um talento nessas facções ele está em sua capacidade de extrair dos males do mundo o combustível necessário à sedução e mobilização de ativistas.
Nesse sentido, a canhota ideológica funciona como uma refinaria projetada para transformar insatisfações sociais em energia pura. Enviaram-me, esses dias, informação sobre um novo livro de Nick Cohen, lançado em Londres no mês de fevereiro. Na obra, pelo resumo recebido, o jornalista demonstra que a esquerda, no mundo todo, está se aliando a movimentos e governos totalitários e fascistas. Encomendei o volume, que ainda não chegou, mas antecipo que essa específica constatação não representa novidade alguma desde os tempos de Stalin. Comunismo, nazismo e fascismo são trigêmeos univitelinos. Quando Porto Alegre acolhia a fogosa militância dos Fóruns Sociais Mundiais, a cidade era adornada com pixações que davam vivas a Saddam e ao terrorista Arafat. Alegorias de mão louvando os ícones dos totalitarismos do século passado dominavam a paisagem nas ruidosas passeatas que promoviam.
E não há silêncio maior do que o da esquerda em relação aos crimes de Fidel e as pretensões totalitárias de Chávez. Nada que ambos façam lhe extrai sequer um murmúrio de protesto. O que leva jovens idealistas a entrarem numa canoa com tantos furos no casco? A arapuca.
Ela consiste em: lº) apontar os problemas que se podem observar nas sociedades de livre iniciativa, de economia de empresa, de capitalismo, enfim; e 2º) apresentar como resposta a esses problemas, os mais consensuais e nobres anseios da humanidade; e 3º) chamar isso de socialismo ou comunismo. É a ternura sem endurecimento. Nessa retórica, passa sem qualquer menção o fato de que, após um século de terríveis experiências, os seus modelos, mesmo acumulando cem milhões de cadáveres e tendo mantido sob servidão totalitária bilhões de pessoas em sucessivas gerações, não conseguiram produzir uma democracia, uma economia que se sustentasse e um só estadista. É o endurecimento sem ternura.
A arapuca, portanto, consiste em comparar coisas desiguais, ou seja, a experiência real e muito mais bem sucedida das sociedades livres, nas quais obviamente persistem problemas, com a fantasia do Eldorado descrito no falatório esquerdista. Via de regra, quem arma essa arapuca é um manipulador que confia na ingenuidade alheia. No entanto, só se pode comparar coisas de fato confrontáveis, ou seja, cada doutrina com sua prática, ou doutrina com doutrina e resultado com resultado. E aí não tem nem graça. Autor: Desconhecido. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 17/3/07.

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