Zero Hora, 01 de abril de 2007. O relato a seguir não é ficção. Qualquer semelhança com situações ou personagens atuais não deve, em hipótese alguma, ser tomada como coincidência. Por volta do século VI a.C., os caminhos da Filosofia, ainda recentes na antiga Grécia, estavam sendo iluminados por gênios como Tales, Pitágoras e Parmênides. Começava uma árdua e sincera busca da verdade e da essência das coisas e dos seres. As circunstâncias dos anos subseqüentes, contudo, fizeram com que essas emocionantes tentativas de expandir a compreensão humana sobre as realidades físicas e metafísicas fossem assumidas pelos sofistas. Passou-se a valorizar, então, não o conhecimento, mas o talento discursivo e argumentativo, fonte de prestígio e poder. Os mestres dessa ciência emergente se converteram em personalidades destacadas porque ensinavam métodos de conquista da opinião alheia.
Diferentemente de seus antecessores, os sofistas sustentavam que o êxito humano não consistia em alcançar o saber, mas na aplicação da inteligência para conquistar os privilégios do poder. Enquanto as gerações anteriores usavam o debate para chegar à verdade com a força dos argumentos, os sofistas ensinavam seus alunos a vencer defendendo posições erradas. É fácil imaginar o quanto essa total abstração de exigências morais se tornava proveitosa para os aspirantes aos privilégios e quanta vantagem lhes concedia perante a ignorância das massas. Protágoras, que pode ser considerado o fundador do relativismo, ensinava que o homem é a medida de todas as coisas. Górgias, para quem chegou a ser construída uma estátua de ouro em Olímpia, sustentava a legitimidade da aparência.
Já se vê o quanto é antigo o relativismo e o quanto é velha a sedução dos impostores: a justiça aparente, a verdade aparente, o uso da heurística como conjunto de ardis para vencer debates sem as limitações do reto, do justo e do bem. Se o falso é mais conveniente do que o real, o sofista, sem qualquer constrangimento, empregará suas técnicas argumentativas para travestir o falso de verdadeiro.
Portanto, o que assistimos no Brasil, ao longo das últimas décadas, é o retorno a uma atitude mental e a uma retórica amorais, agravadas pela falta da coragem necessária para as assumir como tal. Olhe à sua volta, leitor, e veja como se conduzem os que chegaram ao poder com um discurso moralista e pregando justiça que não realizam. O que ensinam? Por quais causas se empenham? Contra o que discursam? Ensinam o relativismo. Cuidam de eliminar toda influência religiosa sobre os corações e as mentes. Avançam contra a ordem e a lei. Atacam os valores. Menosprezam as virtudes. Manipulam o imaginário social e a opinião pública com suas utopias. Estas últimas, saudadas como horizontes encantadores e fugidios que se deslocam a cada passo, mas fazem andar, já levaram nações inteiras para o despenhadeiro dos sofistas. Contra eles é preciso retomar o pensamento forte, sadio. Os sofistas de ontem entraram para a história como aqueles que buscaram liquidificar a verdade em proveito próprio. Os novos sofistas vivem, no Brasil, seu momento de glória. Não ganharão uma estátua de ouro, como Górgias. Mas já se vestem com as túnicas do poder. Autor: Percival Puggina. Difusão Geraldo Porci de Araújo, 01/4/07.
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