O
que vou contar aconteceu numa cidade do interior. Por uma questão de prudência
que os leitores certamente entenderão e desculparão, será preciso omitir
detalhes e nomes dos personagens.
Havia
nessa cidade uma importante empresa que respondia por muitos empregos e tinha
peso significativo na vida da comunidade. Era uma organização antiga, que
atuava em diversos segmentos, sob o comando centralizado e pessoal do
diretor-presidente. Certa feita (para mim, relato sem "certa feita"
situa-se fora do tempo), chegou ao município uma senhora, com formação na área
de economia, especialidade bem incomum naquelas bandas onde passou a lecionar e
a escrever artigos com análises das características, potencialidades e gargalos
do desenvolvimento local.
Com
o tempo, tornou-se consultora requisitada, trabalhou para a prefeitura, e foi
conquistando a confiança da comunidade malgrado certas reticências que
circundavam e envolviam o seu passado. Quando o peso dos anos ("peso dos
anos" é outra expressão boa e verdadeira) começou a incidir sobre o
diretor-presidente da organização, ele se lembrou da economista e resolveu
convidá-la para assumir uma função gerencial a ser exercida em conjunto com
ele. Antevia-se uma mudança na estrutura da empresa e uma profissionalização de
sua gestão.
O
arranjo funcionou durante vários anos, ao longo dos quais a gerente foi
ampliando seu raio de ação e seu poder, passando, na prática, a dirigir tudo
com mão de ferro. Ficou conhecida, no âmbito interno e externo, como pessoa
dura no trato, inflexível, exigente, detalhista e centralizadora. Tudo passava
por ela que, infatigável, parecia nascida para aquelas minuciosas tarefas.
Diplomacia e política não eram peças de seu cardápio. Pão, pão e queijo,
queijo. A empresa, num mercado pouco competitivo, ia bastante bem, com
desempenho positivo sob o impulso de ventos favoráveis da economia. Assim,
quando o diretor-presidente decidiu se afastar em definitivo, resultou
consensual que caberia a ela assumir oficialmente o posto.
Poucos
meses mais tarde, surgiram boatos. Havia algo errado. De início era a penas um zoom
- zoom interno. Mas o zoom - zoom chegou às ruas, e rapidamente atingiu aquele
lugar onde não poderia entrar sem causar comoção: o café da cidade. Dali para o
jornal local era só meia quadra. E o diretor do periódico não era do tipo que
sentasse em cima das matérias. Aliás, é assim mesmo que as coisas funcionam.
O
problema vai para a rua e quando retorna das ruas, em letra de forma, já é
encrenca grossa. Resultado: começaram as investigações, as auditorias e o que
se ficou sabendo estarreceu a todos. Havia muito tempo a empresa vinha sendo
rapinada internamente. Roubava-se no almoxarifado, na tesouraria, no setor de
compras, no comercial, na manutenção, no pessoal. Onde quer que, mexessem
apareciam falcatruas dos encarregados.
Naquele
santuário da comunicação social - o café da cidade - as pessoas mais
esclarecidas se perguntavam: como pode alguém ter adquirido fama de boa gestora
enquanto a organização que "dirigia com mão de ferro" vivia esse
completo descontrole? Só os tolos não se davam conta disso.
Autor:
Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e
de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões Difusão Geraldo Porci de Arajuo.05/02/2012