É
uma encrenca. Tenho visto muita gente de esquerda opinar sobre Cuba após uma
viagem àquele país. Há os que, afetados por esclerose múltipla, de etiologia
marxista, não entendem o que veem e proclamam que voltaram do paraíso. Outro
tipo segue a linha daquela senhora que entrou em mutismo até desabafar, sob
pressão dos familiares: "Tá bom. Aquilo é uma droga, mas não posso ficar
dizendo, tá?". Tá, senhora, eu a entendo, apesar de, pessoalmente, não
considerar aquilo uma droga. Droga é o regime. O povo cubano, submetido ao
arbítrio e aos humores de uma ditadura que já leva mais de meio século, é um
povo desesperançado. E há opiniões ainda mais notáveis, que se proporcionam
quando o esquerdista que vai a Cuba é uma liderança política. Instado a opinar
sobre o que viu, a celebridade tem que responder ao repórter.
Se
fizer críticas ao regime estará, perante os companheiros, incorrendo em grave
sacrilégio. Apontar mazelas cubanas é o equivalente ideológico de cuspir na
cruz e chutar a santa. Coisa que não se faz mesmo. Durante meio século, a
esquerda desenvolveu toda uma mística em torno da Revolução Cubana, dos
"elevados valores morais" do bandido Che Guevara e das qualidades de
estadista que ornam com fulgurantes e imperceptíveis realizações a figura mitológica
de Fidel Castro. Se o sujeito retornar de Cuba descrevendo o que
necessariamente passou diante de seus olhos cairá na mais negra e sombria
orfandade política. É uma encrenca.
Por
outro lado, se não disser que há um regime totalitário instalado no país, que
só existe um partido político. Onde não há liberdade, enquanto na opinião de que
os meios de comunicação. São órgãos do governo ou do partido comunista, que há
um rigoroso, e controle da sociedade e da vida privada pelo Estado e que
persistem, as prisões políticas, o sujeito se desqualifica, como democrata
perante as pessoas de bom, senso porque esses fatos são irrecusáveis. É uma
encrenca.
Pois
foi nessa encrenca que se meteu o governador Tarso Genro quando decidiu passar
uns dias de férias na ilha dos irmãos Castro. As perguntas lhe vieram, em
primeira mão, do portal Carta Maior, órgão quase oficial dos companheiros do
governador. O inteiro teor da entrevista pode ser lido em www.cartamaior.com.br
ou, em short link, aqui: http://bit.ly/yPek9J.
Como
fez o governador para sair dessa? Atacou o suposto bloqueio norte-americano à
Ilha, claro. No entanto, até os guindastes do Porto de Mariel (onde o BNDES
está financiando um investimento de US$ 600 milhões) sabem que não existe
bloqueio a Cuba. Bloqueio seria uma operação militar impedindo a entrada e
saída de navios. O que existe é um embargo pelo qual os Estados Unidos
pretenderam restringir as operações comerciais com a Ilha. No entanto, esse
embargo está totalmente desacreditado há muito tempo. Os principais importadores
de produtos cubanos são, pela ordem, Venezuela, China, Espanha, Brasil e
Canadá. E os principais exportadores para Cuba, são, também pela ordem,
Venezuela, China, Espanha, Canadá e Estados Unidos (é sim, 4,1% das importações
cubanas são de bens de consumo mede in USA). E não me consta que qualquer
desses países mencionados, Brasil entre eles, sofra restrição comercial por
parte dos Estados Unidos. Aliás, China e Venezuela destinam aos ianques
respectivamente 18% e 38% de suas exportações e neles buscam respectivamente 7%
e 27% de suas compras. Que terrível bloqueio americano é esse? Por outro lado,
Cuba importa US$ 11 bilhões e exporta apenas US$ 4 bilhões. Não é por causa do
embargo que as exportações cubanas são insignificantes. É porque - isto sim! -
sua economia estatizada quase nada produz. Com um déficit comercial desse
tamanho, o BNDES que se cuide, dona Dilma.
Sete
vezes, na entrevista, o governador usou o Anti-Americanismo como forma de
tergiversar sobre os males que o regime impõe ao país onde passou as férias.
Tarso, na entrevista, estava sendo interrogado sobre Cuba por um jornalista
companheiro.
E
batia nos Estados Unidos, enquanto surfava sobre o fato de que se há um
bloqueio em Cuba, ele é o bloqueio imposto pelo governo à população, esta sim,
impedida, sob força policial e militar, do fundamental direito de ir e vir.
Por
fim, sobre a questão da democracia, o governador saiu-se com esta preciosidade:
"A questão democrática em Cuba não pode ser avaliada com os mesmos
parâmetros que servem para o Brasil, para a Argentina e para o Uruguai, por
exemplo." Não, não pode mesmo. Se for avaliar a questão democrática em
Cuba com conceitos abstratos e imprecisos (apesar de universais) como, digamos
assim, eleições livres, pluralismo partidário, liberdade de expressão e de
imprensa, aí a coisa fica complicada. A democracia cubana tem que ser avaliada
sob conceitos de partido único, liberdades restritas, inexistência de oposição
e estado policial. Viram como é uma encrenca?
Autor:
Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Difusão: Geraldo Porci de Araújo.
21/01/2012.
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