domingo, 8 de janeiro de 2012

UM DIA O MAR VENCERÁ O MURO



Era um entardecer do último mês de outubro. Eu caminhava ao longo do Malecón habanero, nas proximidades da esplanada de concentrações que Fidel batizou de Tribuna Anti-Imperialista. Ia pensando sobre a batida constante e incessante do mar contra o conjunto formado pelos molhes, murada e calçadão que se desenrola ao longo de Abala Veja, Vedado e Miramar, protegendo a cidade das ondas da Baía de Havana. "Um dia o mar vencerá o muro", pensava, observando a analogia entre a ação da natureza naquele local e o destino que, ao fim e ao cabo, terá a revolução dos Castro. O Malecón envelheceu e a revolução (que faz 53 anos hoje) estám velhas, e como velhos, e encarquilhados estas, os malfeitores, que se apoderaram do país em 1959. Minhas meditações foram interrompidas. "What do you thing about Cuba?", perguntou alguém. Era um jovem, sentado sobre a murada. Falava com um sotaque hispânico. Sorri pela coincidência entre a indagação e os meus pensamentos.
 "Penso que um dia o mar vencerá o muro", respondi metaforicamente em espanhol. Fui instado a esclarecer. Meu interlocutor era um cubano, jornalista em Los Angeles, que estava visitando os pais. Nossas observações coincidiam. Passados nove anos da minha última visita, eu retornava a Cuba, curioso com as notícias sobre reformas modernizantes. Qual o quê! Tudo em Cuba piorara com o tempo e a sociedade estava tomada por visível melancolia. O próprio Malecón, que já vi fervilhante de turistas e gente da terra, estava, dez anos mais deteriorado e expressava essas realidades na pequena afluência. Para aquele rapaz, que teve a sorte de conseguir sair "na boa" (o que lhe permitia retornar sempre que quisesse), a situação era tão deprimente quanto eu a via.
 Relatei-lhe minhas observações e algumas coisas que já ouvira. "Câmbios? No hay cambios!", asseguravam-me os cubanos com quem falara. E essa talvez fosse a fonte de todas as melancolias. Um dia era igual ao anterior, um ano igual ao anterior, e o próximo dia, assim como o próximo ano não serão iguais aos já, dos passados. É como se o tempo transcorresse sem outro resultado que não fosse o de fazer estragos. Não há ladrão mais maldito do que o ladrão das esperanças do povo. E não há governo mais pernicioso do que o governo que impõe a todos, a ferro e propaganda, a obrigação de viver, no cotidiano, o pesadelo dos seus sonhos e o fracassado delírio das suas utopias.
 Há em Cuba multidões de desocupados. Mesmo entre os que têm empregos não há o que fazer e a tarefa de consertar velharias caseiras talvez sejam a que envolve maior tempo de trabalho efetivo no país. Mas isso não vale para os belos prédios da antiga Pérola do Caribe. Como ninguém cuida das coisas sem dono, a parte antiga de Havana lembra as imagens da cidade de Dresde em 1945 após o ataque aéreo dos aliados.
 As demissões projetadas para o setor público - 1 milhão de trabalhadores - não aconteceram porque os comitês que tratariam disso não se entendem. As atividades abertas à iniciativa privada não encontram clientela porque a sociedade tem baixíssima renda familiar média. É quase nada o que se pode fazer com salários socialistas de 15 dólares por mês. Constrange saber que autoridades brasileiras, periodicamente, vão soluçar sua nostalgia revolucionária nos ombros de Fidel Castro.

 Que Deus os perdoe, mas eles sabem o que fazem.
 Zero Hora, 1º de janeiro de 2012. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porci de Araújo.
O governo gaúcho anunciou a realização de um concurso público para admissão de dez mil professores e informou que 18% “dessas vagas, constituirão cota reservada a fordes endentes". A melhor maneira de alguém se tornar racionalmente inepto é ser politicamente correto. Incrível como a esquerda, que tanto detesta os Estados Unidos, os ianques, os anglicismos e os americanismos, gosta de macaquear toda tolice que surja por lá! A própria expressão, "politicamente correto" (800 mil referências no Google) corresponde à tradução de political correctness (10 milhões de referências no Google), tendo, ganho, nos, Estados Unidos, de tão usada, a abreviatura PC.
 Palavra afrodescendente (263 mil referências no Google) é a forma que adquiriu no Brasil outro conceito. Born in USA - "afro-american" (6,6 milhões de referências). No formato nacional, virou um neologismo ainda mais ridículo, cuja etimologia diverge do significado que lhe foi atribuído.
De um lado, porque muito provavelmente todos os humanos são afrodescendentes, originários do mesmo tronco africano. De outro, porque parcela numerosa da população daquele continente é formada por árabes, egípcios e berberes, que têm a pele clara. Ou seja: afrodescendente não quer dizer coisa alguma. Entender tal vocábulo como significando "negro" é racismo em forma pura, não miscigenada, pois dele se infere que a palavra substituída seja de algum modo, depreciativa.
Não é. Só é para quem for racista.  Que a lei de cotas raciais (arre!) não serve à justiça é coisa que poucos haverão de negar. Numa mesma rua de um mesmo bairro pobre, dois vizinhos, estudantes da mesma escola pública, com os mesmos mal remunerados professores, jogando futebol, descalços com a mesma bola de meia prestam exame vestibular e tiram as mesmas notas.
Por ser negro um consegue aprovação pela lei de cotas. O outro, por ser branco, não se classifica. Isso é discriminação racial. Não acontece? Acontece até pior. Escreveu-me outro dia um leitor relatando o caso de um vestibular para disputadíssimo curso. Havia 40 vagas ao todo. O último classificado pelas cotas fora o 142º lugar. O candidato que se classificou em 41º lugar ficou fora.
De que modo isso serve à justiça? Ainda se poderia, com um senso bem elástico sobre o que seja justo, tolerar um sistema de cotas para acesso ao ensino superior que ponderasse a condição social num sentido amplo, mas ele envolveria irrealizável trabalho de investigação e classificação. Pois bem, o governo Tarso Genro reservará 1,8 mil vagas para negros no concurso para o magistério público estadual. Neste caso, não se trata de favorecer a ascensão de um grupo social presumivelmente desfavorecido (tal presunção, tomada pela cor da pele, é realmente presunçosa).
Rata-se de outra coisa porque todos os concorrentes às posições no magistério saíram, com o canudo da mão, pelas mesmas portas escolares e universitárias. A cor da pele, nesse sentido, é tão representativa de suas diferenças quanto o penteado ou o sapato. Anuncia-se, então, um flagrante privilégio e uma ruptura com o princípio da igualdade de todos perante a lei. Não bastasse isso, a cota racial, vai na, contramão das promessas do governador Tarso Genro de qualificar o ensino público para que o Rio Grande do Sul recupere as posições perdidas no contexto da educação nacional.
Como alcançar esse objetivo se a porta de entrada para o magistério vai levar em conta a cor da pele e não o desempenho nas provas do concurso de seleção? Vão ser politicamente corretos assim com o futuro deles mesmos e não com o futuro do Rio Grande do Sul! Autor; Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões. Difusão: Gerado Porci de Araújo.

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