Quem
conta a história leva vantagem sobre quem ouve. O modo como ela é contada
encaminha os ouvintes para a conclusão desejada. Napoleão ensinava: "A
História é uma versão sobre o passado em torno da qual as pessoas
convergem". Sabem disso os professores. E sabem mais ainda os políticos,
que, através dos milênios, nunca deixaram de construir e repetir as versões que
melhor lhes convinham. A União Soviética, por exemplo, era useira em levar esse
procedimento aos requintes, valendo-se da prática de forjar e adulterar
documentos. O discurso de Khrushchev no 20º Congresso do Partido Comunista da
União Soviética talvez seja a mais notória evidência e violenta denúncia da
mistificação em que se envolvera a história da URSS nos terríveis anos
iniciados em 1917. Em seu profético e assustador 1984 (alguém sabe me dizer por
que esse livro jamais está na bibliografia recomendada pelas nossas escolas?),
George Orwell concebeu um personagem, Winston Smith, instalou-o num órgão
casualmente chamado Ministério da Verdade e lhe atribuiu a tarefa de produzir
os documentos que confeririam autenticidade aos relatos.
Eis
por que a ideia de criar um Comissariado Nacional da História, sob o orwelliano
nome de Comissão da Verdade, só pode transitar acriticamente num país que jogou
fora sua memória, suas raízes e do qual, há muito, roubaram o discernimento.
Quem comporá o comissariado? Sete membros escolhidos a dedo por um único dedo.
O da presidente. Por quê? Porque foi assim que Lula quis e que Dilma mandou a
base do Congresso aprovar. E por que não uma comissão formada por sete
generais? Porque a esquerda não aceitaria tamanho absurdo, ora essa. Absurdo
por absurdo, a esquerda ficou com o absurdo que lhe convinha, sob silêncio
geral do rebanho, só quebrado pela sinetinha da ovelha-guia.
Tem
mais. O Comissariado Nacional da História não vai apenas ser nomeado pela
presidente. Será remunerado pela Casa Civil da Presidência da República,
juntamente com os auxiliares contratados e vai funcionar junto à Casa Civil. Na
copa e na cozinha do governo. Ora, eu
não consigo vislumbrar o menor interesse da presidente Dilma no
estabelecimento da verdade histórica. Sabem por quê? Porque ela teve
participação ativa na principal organização guerrilheira que atuou durante a
luta armada. Essa organização, por exemplo, participou do roubo ao cofre do
Adhemar de Barros (sob o ponto de vista financeiro, US$ 2 milhões; a mais bem
sucedida operação daquele período). Apesar disso, sua excelência, com sua
suposta dedicação à história, nunca desvelou uma ponta sequer desse e de outros
tantos fios que compõem as tramas do referido período. O máximo, que; li como
declaração dela foi uma entrevista na qual conta que teve "participação
pequena" e que havia tantas armas escondidas sob sua cama que era difícil
acomodar o corpo no colchão. Me - poupa. Há mais história do que metralhadoras
escondidas embaixo desse colchão.
Quando
pergunto aos alinhados defensores do Comissariado Nacional da História o motivo
pelo qual estão fora da alçada da comissão os crimes cometidos pelos que pegaram
em armas (crimes como servir potências estrangeiras, formação de quadrilha ou
bando, assalto, assassinatos, seqüestros e terrorismo) a resposta que obtenho é
a seguinte: "Trata-se, aqui, de identificar os crimes cometidos pelo
Estado!". E quando eu faço uma pergunta absolutamente óbvia: "Por que
só estes crimes?". Dizem-me como quem acendesse uma lanterna nas trevas da
minha ignorância: "Porque é assim que está na lei." Ou seja, é assim
porque está na lei e está na lei porque nós quisemos que fosse assim. Como eu
sou burro!
Apesar
de tanta desfaçatez, contam-se nos dedos os jornalistas, pesquisadores,
historiadores, filósofos e analistas que apontam, sobre esse assunto, os abusos
e encenações do Big Brother que nos governa. Ele faz o que quer, a partir do
script que já escreveu, e que faz jus a uma versão final apresentada pelo Pedro
Bial.
Autor:
Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Difusão: Geraldo Porci de Araqújo. 15/01/2012.
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