PATÉTICA INDIGNAÇÃO
Estamos sendo convocados à indignação. De novo? De novo. Indignemo-nos, pois! Fiquemos todos muito, mas muito irados! Sapateemos nossa revolta! Não funcionou? Pintemos o rosto, ponhamos um nariz de palhaço, toquemos sineta, sopremos apitos, façamos um buzinaço. Nada? Deitemo-nos no chão e tenhamos um chilique, que aí a coisa vai. Não foi? Mas que diabo, seu! Deve ter gente que ainda não se indignou tanto quanto deve. Temos que ficar todos assim tipo “pedavida”, entenderam? Será, mesmo, que quando todos estivermos encolerizados, prá valer, o Brasil começará a tomar jeito? Perdoem-me por decepcioná-los. Isso não vai acontecer. As vidraças do poder são as mais prováveis e únicas vítimas das tais indignações coletivas, cuja face mais visível é a selvageria da massa.
Essas coisas terminam em quebra-quebra e trem incendiado. Não me obriguem a escolher entre a selvageria da massa e as falcatruas do poder. Não estou reprovando um sentimento mais do que natural. Não é isso que estou fazendo. Aliás, comungo desse sentimento. O que estou indicando é a inutilidade de uma pauta que se esgota em excitar a cólera, em convocar à raiva, sem levantar os olhos para, um pouco além, identificar as causas dos fenômenos que nos contrariam e afrontam. Sentimentos assim são normais, mas raramente fazem algo que preste para a boa política. Aliás, observe que existem
partidos que vivem do conflito. Qualquer conflito. Jogam, umas contra as outras, as classes sociais, as etnias, as sexualidades, as religiões, as instituições.
Tudo serve, desde que possa acender o estopim das malquerenças. A boa política se faz no viés oposto. Ela não existe para gerar conflitos, mas para resolvê-los. Ela nasce do amor e do espírito de serviço; do reconhecimento da igual dignidade de todos; do respeito aos valores naturais, à verdade e ao bem. Quem estiver realmente interessado em dar um jeito no Brasil, precisa não apenas indignar-se com os crimes que contempla, mas identificar os fatores que os favorecem. Duas evidências avultam nessa análise: as principais causas dos problemas que vemos são de natureza institucional e a sua solução, em um Estado que queira ser democrático e de direito, é inequivocamente política.
Portanto, desfazer da política é reforçar as causas da corrupção. Desacreditar dela é apostar na violência, no arbítrio e servir à mentalidade totalitária. A corrupção é um escândalo e a impunidade, outro. Mas só ficar brabo não muda coisa alguma! Pergunto: o que são os mensalões e os muitos mecanismos de compra de apoio parlamentar, o aparelhamento partidário das administrações, os comissionamentos nas obras públicas, se não consequências de um sistema de governo que precisa desses cargos para formar base de apoio e de um sistema eleitoral que impõe campanhas milionárias e estimula a representação dos grupos de interesse? É claro que instituições melhores e sistemas eleitorais mais racionais, mais modernos, tampouco são imunes à corrupção. Mas os modelos que adotamos a estimulam por todos os meios. Exigem-na como decorrência da sordidez de seus mecanismos! Nesse caso, a simples e cotidiana indignação fica, de fato, patética.
* Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 20/12/09.
Estamos sendo convocados à indignação. De novo? De novo. Indignemo-nos, pois! Fiquemos todos muito, mas muito irados! Sapateemos nossa revolta! Não funcionou? Pintemos o rosto, ponhamos um nariz de palhaço, toquemos sineta, sopremos apitos, façamos um buzinaço. Nada? Deitemo-nos no chão e tenhamos um chilique, que aí a coisa vai. Não foi? Mas que diabo, seu! Deve ter gente que ainda não se indignou tanto quanto deve. Temos que ficar todos assim tipo “pedavida”, entenderam? Será, mesmo, que quando todos estivermos encolerizados, prá valer, o Brasil começará a tomar jeito? Perdoem-me por decepcioná-los. Isso não vai acontecer. As vidraças do poder são as mais prováveis e únicas vítimas das tais indignações coletivas, cuja face mais visível é a selvageria da massa.
Essas coisas terminam em quebra-quebra e trem incendiado. Não me obriguem a escolher entre a selvageria da massa e as falcatruas do poder. Não estou reprovando um sentimento mais do que natural. Não é isso que estou fazendo. Aliás, comungo desse sentimento. O que estou indicando é a inutilidade de uma pauta que se esgota em excitar a cólera, em convocar à raiva, sem levantar os olhos para, um pouco além, identificar as causas dos fenômenos que nos contrariam e afrontam. Sentimentos assim são normais, mas raramente fazem algo que preste para a boa política. Aliás, observe que existem
partidos que vivem do conflito. Qualquer conflito. Jogam, umas contra as outras, as classes sociais, as etnias, as sexualidades, as religiões, as instituições.
Tudo serve, desde que possa acender o estopim das malquerenças. A boa política se faz no viés oposto. Ela não existe para gerar conflitos, mas para resolvê-los. Ela nasce do amor e do espírito de serviço; do reconhecimento da igual dignidade de todos; do respeito aos valores naturais, à verdade e ao bem. Quem estiver realmente interessado em dar um jeito no Brasil, precisa não apenas indignar-se com os crimes que contempla, mas identificar os fatores que os favorecem. Duas evidências avultam nessa análise: as principais causas dos problemas que vemos são de natureza institucional e a sua solução, em um Estado que queira ser democrático e de direito, é inequivocamente política.
Portanto, desfazer da política é reforçar as causas da corrupção. Desacreditar dela é apostar na violência, no arbítrio e servir à mentalidade totalitária. A corrupção é um escândalo e a impunidade, outro. Mas só ficar brabo não muda coisa alguma! Pergunto: o que são os mensalões e os muitos mecanismos de compra de apoio parlamentar, o aparelhamento partidário das administrações, os comissionamentos nas obras públicas, se não consequências de um sistema de governo que precisa desses cargos para formar base de apoio e de um sistema eleitoral que impõe campanhas milionárias e estimula a representação dos grupos de interesse? É claro que instituições melhores e sistemas eleitorais mais racionais, mais modernos, tampouco são imunes à corrupção. Mas os modelos que adotamos a estimulam por todos os meios. Exigem-na como decorrência da sordidez de seus mecanismos! Nesse caso, a simples e cotidiana indignação fica, de fato, patética.
* Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 20/12/09.
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