ASSIM NÃO SE ASSUSTA BANDIDO
Noticiou-se, recentemente, que existem 50 mil usuários de crack no Rio Grande do Sul. A escassez de leitos e as restrições nas AIHs (Autorizações para Internação Hospitalar liberadas pelo SUS) já seriam um problema sem essa avalanche que começa a bater às portas do sistema. O Poder Judiciário vem expedindo ordens de internação que trombam contra o fato de que não fica bonito colocar dois pacientes na mesma cama. Os recursos públicos são limitados e a capacidade contributiva do povo brasileiro está esgotada. É razoável que se imponha à sociedade, sem limites ou em prejuízo de outras demandas, o custeio dos ônus gerados por aqueles que se atiram nos braços do vício? É justo que o sistema deixe de atender outros pacientes para acolher os viciados? É justo abandoná-los? Como enfrentar, no tempo, essa inequação? “Existe o tráfico porque existe o consumidor!”, afirma-se, como se estivéssemos tratando de papel higiênico, e desatentos ao fato de que a droga cria seu mercado. Ninguém sai um dia de casa e, em vez de ir trabalhar, sobe o morro atrás de um ponto de venda porque acordou querendo tornar-se usuário. Não é assim que funciona. O mercado precisa da oferta sedutora para a captura de suas vítimas. Se aceitamos a inversão da precedência, caímos na esparrela que melhor convém ao traficante: gastamos recursos e energias na ponta da demanda. A aceitação desse raciocínio, que congela nossa reação, responde, em parte, pelo fato de termos chegado a cerca de um milhão de viciados no país.
Se o mercado da droga tem duas pontas, a mais visível, menos numerosa e mais susceptível à ação do Estado é a ponta do tráfico. Existe muito menos traficante do que consumidor e o contingente dos barões da droga é limitado. Quem tiver curiosidade, visite o site da UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime). Há ali relatórios extensíssimos, que incluem tabelas com preços de diversas drogas nos street markets de praticamente todos os países. O leitor constatará, na leitura do relatório de 2007, que os países da América Latina, Brasil incluído, estão entre aqueles onde as drogas são vendidas pelos preços mais baixos, tornando-se acessíveis a um contingente muito maior de usuários. Por quê? Porque o combate ao tráfico está muito aquém do que seria necessário, tanto em intensidade quanto em rigor. O prende e solta do nosso sistema penal não assusta bandido.
Os primeiros sinais da guerra surgiram quando os traficantes começaram a impor eventuais fechamentos do comércio nas favelas onde se instalaram. Era um recado informando quem mandava no pedaço. Mais tarde, os bandidos passaram a responder à bala as investidas policiais. Depois, tiveram início as tréguas negociadas, assim como se faz no Oriente Médio. Agora, fecham-se avenidas e se metralham veículos de transporte coletivo, como expressão de desagrado perante qualquer intromissão nos seus negócios.
A pergunta que me faço ante o exposto até aqui, e que proponho à reflexão dos leitores, é esta: será viável enfrentar esse tipo de guerra com instrumentos jurídicos que funcionam muito bem, por exemplo, na Suécia? Se estamos em guerra? Se os traficantes estão matando nossos jovens? Se o crime organizado da droga joga na criminalidade desorganizada centenas de milhares de dependentes que andam por aí buscando tostões para seu barato de cada dia? Os bandidos declararam guerra à sociedade. Escarnecem do Estado. Riem de nossas leis. E nós continuamos a tratá-los com o pão-de-ló da tolerância infinita. Nos países que adotam pena de morte para traficante graúdo, por exemplo, o preço da droga é até dez vezes superior ao daqui e o mercado muito mais restrito. Enfim, creio que é preciso mudar a estratégia. Não me parece viável enfrentar uma guerra desse tipo com o fusca da polícia e com os bodoques do Código de Processo Penal. Percival Puggina 16/3/09
Noticiou-se, recentemente, que existem 50 mil usuários de crack no Rio Grande do Sul. A escassez de leitos e as restrições nas AIHs (Autorizações para Internação Hospitalar liberadas pelo SUS) já seriam um problema sem essa avalanche que começa a bater às portas do sistema. O Poder Judiciário vem expedindo ordens de internação que trombam contra o fato de que não fica bonito colocar dois pacientes na mesma cama. Os recursos públicos são limitados e a capacidade contributiva do povo brasileiro está esgotada. É razoável que se imponha à sociedade, sem limites ou em prejuízo de outras demandas, o custeio dos ônus gerados por aqueles que se atiram nos braços do vício? É justo que o sistema deixe de atender outros pacientes para acolher os viciados? É justo abandoná-los? Como enfrentar, no tempo, essa inequação? “Existe o tráfico porque existe o consumidor!”, afirma-se, como se estivéssemos tratando de papel higiênico, e desatentos ao fato de que a droga cria seu mercado. Ninguém sai um dia de casa e, em vez de ir trabalhar, sobe o morro atrás de um ponto de venda porque acordou querendo tornar-se usuário. Não é assim que funciona. O mercado precisa da oferta sedutora para a captura de suas vítimas. Se aceitamos a inversão da precedência, caímos na esparrela que melhor convém ao traficante: gastamos recursos e energias na ponta da demanda. A aceitação desse raciocínio, que congela nossa reação, responde, em parte, pelo fato de termos chegado a cerca de um milhão de viciados no país.
Se o mercado da droga tem duas pontas, a mais visível, menos numerosa e mais susceptível à ação do Estado é a ponta do tráfico. Existe muito menos traficante do que consumidor e o contingente dos barões da droga é limitado. Quem tiver curiosidade, visite o site da UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime). Há ali relatórios extensíssimos, que incluem tabelas com preços de diversas drogas nos street markets de praticamente todos os países. O leitor constatará, na leitura do relatório de 2007, que os países da América Latina, Brasil incluído, estão entre aqueles onde as drogas são vendidas pelos preços mais baixos, tornando-se acessíveis a um contingente muito maior de usuários. Por quê? Porque o combate ao tráfico está muito aquém do que seria necessário, tanto em intensidade quanto em rigor. O prende e solta do nosso sistema penal não assusta bandido.
Os primeiros sinais da guerra surgiram quando os traficantes começaram a impor eventuais fechamentos do comércio nas favelas onde se instalaram. Era um recado informando quem mandava no pedaço. Mais tarde, os bandidos passaram a responder à bala as investidas policiais. Depois, tiveram início as tréguas negociadas, assim como se faz no Oriente Médio. Agora, fecham-se avenidas e se metralham veículos de transporte coletivo, como expressão de desagrado perante qualquer intromissão nos seus negócios.
A pergunta que me faço ante o exposto até aqui, e que proponho à reflexão dos leitores, é esta: será viável enfrentar esse tipo de guerra com instrumentos jurídicos que funcionam muito bem, por exemplo, na Suécia? Se estamos em guerra? Se os traficantes estão matando nossos jovens? Se o crime organizado da droga joga na criminalidade desorganizada centenas de milhares de dependentes que andam por aí buscando tostões para seu barato de cada dia? Os bandidos declararam guerra à sociedade. Escarnecem do Estado. Riem de nossas leis. E nós continuamos a tratá-los com o pão-de-ló da tolerância infinita. Nos países que adotam pena de morte para traficante graúdo, por exemplo, o preço da droga é até dez vezes superior ao daqui e o mercado muito mais restrito. Enfim, creio que é preciso mudar a estratégia. Não me parece viável enfrentar uma guerra desse tipo com o fusca da polícia e com os bodoques do Código de Processo Penal. Percival Puggina 16/3/09
Nenhum comentário:
Postar um comentário