YAKUTSK - A CIDADE MAIS FRIA DO MUNDO
A 5ºC negativos o frio pode ser refrescante. A 20ºC negativos a umidade no nariz se congela e fica difícil não tossir. A 35ºC negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a necrose é um risco. E a menos 45ºC até usar óculos fica complicado. O metal gruda no rosto e na orelhas e rasga pedaços da pele quando você decide tirá-los. Music: Dança Russa (Mik Bath e a Orquestra Filarmônica de Londres).
Sei disso porque acabo de chegar a Yakutsk, lugar onde os amistosos nativos me alertaram para não usar óculos ao ar livre. Yakutsk é uma cidade remota na Sibéria Oriental (população: 200 mil), famosa por aparecer no clássico jogo de tabuleiro Risk (versão do War) e por deter a fama de ser a cidade mais fria da Terra. Em Janeiro a média fica em torno de 40ºC negativos. A névoa que cobre a cidade restringe a visibilidade a 10 metros. Moradores, em pesados casacos de pele, passam pela praça central, adornada por uma árvore de Natal congelada e uma estátua de Lênin.
Logo descobri que ali, temperaturas na casa dos 40ºC negativos são tidas como “frio, mas não muito frio” Aqui as pessoas aguardam os ônibus. Sendo assim, antes de me aventurar pela primeira vez nas ruas de Yakutsk, me encapotei com toda uma mala de roupas. Eis o que estou vestindo: um par de meias de algodão com um par de meias térmicas por cima; um par de botas; ceroulas térmicas; uma calça jeans; uma camiseta térmica; uma camiseta de mangas compridas; um suéter justo de caxemira; um abrigo esportivo; um casaco acolchoado de inverno com capuz; um par de luvas finas de lã (para que eu não exponha a pele quando tirar a luva externa para fazer fotos); um par de luvas de lã; um cachecol de lã; e um boné, também revestido em lã.
A pequena fresta do meu rosto que está exposta registra o ar frio, mas no geral a sensação é boa... Até agradável. Desde que você esteja vestido corretamente, penso eu, não é assim tão ruim. Em poucos minutos, porém, o clima gélido passa a se impor. A pele exposta começa a dar pontadas e depois fica adormecida, o que aparentemente é perigoso, porque significa que o fluxo de sangue para o local parou.
Então o frio penetra pela dupla camada de luvas e congela meus dedos. O boné e o capuz tampouco são páreo para os 43ºC negativos e minhas orelhas começam a pinicar. Em seguida as pernas sucumbem. Finalmente me vejo com dores agudas pelo corpo todo e tenho de voltar a um ambiente fechado. Olho no relógio: fiquei ao ar livre por 13 minutos! Yakutsk é a capital de Yakutia, região que abrange mais de 2.6 milhões de quilômetros quadrados e onde vivem menos de 1 milhão de pessoas. A cidade fica a seis fusos horários de Moscou, mas a viagem leva seis horas num precário avião Tupolev. A passagem custa pelo menos RS 1,8 mil ida e volta, uma enorme quantia num país em que o salário médio é de RS 930 por mês.
Não há ferrovia até Yakutsk. As outras opções são uma viagem de 1,6 mil quilômetros de barco subindo o rio Lena, nos poucos meses do ano em que ele não está congelado, ou então a "estrada dos Ossos", uma rodovia de 2 mil quilômetros construída por prisioneiros do Gulag (o sistema penal soviético).
Em Yakutsk a maioria dos carros é importada do Japão, de segunda mão, que aparentemente, resistem melhor ao frio do que os veículos russos tradicionais. Ainda assim, os moradores costumam deixar o motor funcionando, se vão parar apenas por meia hora
E alguns deixam-no ligado o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para garantir uma temperatura minimamente tolerável na volta para casa. A fumaça dos escapamentos contribui para a névoa que paira sobre a cidade.
A região foi inicialmente conquistada pelos russos na década de 1630. No século XIX era usada como prisão aberta para dissidentes políticos. Anton Chekhov, em sua Jornada de 1890 pela
Sibéria, pintou um quadro sombrio da vida dos prisioneiros dali. "Eles perderam todo o calor que já tiveram", escreveu. "As únicas coisas que lhes restam na vida são vodca, vagabundas, mais
vagabundas, mais vodcas... Não são mais seres humanos, mas bestas.” Lenin e Stalin foram dois dos presos políticos exilados em Yakutsk.
Lenin Square, Yakutsk/Yakutia Às 17h30 - 40ºC negativos A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os soviéticos decidiram transformar Yakutsk num importante centro regional, primeiro com o sistema de trabalho forçado do Gulag, depois colonizando a região com milhares de voluntários em busca de aventura, melhores salários e a chance de construir o socialismo no gelo. A mega-empresa Alrosa, responsável por 20% da oferta mundial de diamantes brutos, tem sua sede na região. Com o tempo Yakutsk virou uma cidade de verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades, entrega de pizza e até zoológico.
Apesar de os nativos manterem estoicamente seus afazeres e de crianças brincarem na neve da praça central, percebo que preciso de um táxi para continuar minha exploração.
Os 13 minutos que passei ao ar livre me deixaram sem fôlego, praguejando e cheio de dores, o meu rosto tão vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana no Caribe. Desabo na cama do hotel e preciso de meia hora para voltar a sentir meu corpo. A parte mais desagradável começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta à temperatura habitual, sentem uma cãibra quente sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo começa a coçar.
Vou ao mercado, cheio de gente vendendo peixe, porcos e coração de cavalo. Tudo
congelado.“É claro que faz frio, mas você se acostuma.” Diz Nina, uma yakut,que passa oito horas por dia de pé, na sua banca de peixes.
Os seres humanos se acostumam com qualquer coisa. Mas, ainda assim, o nível de resistência é difícil de compreender. Os operários continuam trabalhando na construção civil, até os 50ºC negativos.
Abaixo disso, o metal se torna quebradiço.
As aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo dos 55ºC.Embora o Jardim de Infância feche com 50ºC negativos. Shaun Walker escreveu esta reportagem para o jornal britânico THE INDEPENDENT
A 5ºC negativos o frio pode ser refrescante. A 20ºC negativos a umidade no nariz se congela e fica difícil não tossir. A 35ºC negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a necrose é um risco. E a menos 45ºC até usar óculos fica complicado. O metal gruda no rosto e na orelhas e rasga pedaços da pele quando você decide tirá-los. Music: Dança Russa (Mik Bath e a Orquestra Filarmônica de Londres).
Sei disso porque acabo de chegar a Yakutsk, lugar onde os amistosos nativos me alertaram para não usar óculos ao ar livre. Yakutsk é uma cidade remota na Sibéria Oriental (população: 200 mil), famosa por aparecer no clássico jogo de tabuleiro Risk (versão do War) e por deter a fama de ser a cidade mais fria da Terra. Em Janeiro a média fica em torno de 40ºC negativos. A névoa que cobre a cidade restringe a visibilidade a 10 metros. Moradores, em pesados casacos de pele, passam pela praça central, adornada por uma árvore de Natal congelada e uma estátua de Lênin.
Logo descobri que ali, temperaturas na casa dos 40ºC negativos são tidas como “frio, mas não muito frio” Aqui as pessoas aguardam os ônibus. Sendo assim, antes de me aventurar pela primeira vez nas ruas de Yakutsk, me encapotei com toda uma mala de roupas. Eis o que estou vestindo: um par de meias de algodão com um par de meias térmicas por cima; um par de botas; ceroulas térmicas; uma calça jeans; uma camiseta térmica; uma camiseta de mangas compridas; um suéter justo de caxemira; um abrigo esportivo; um casaco acolchoado de inverno com capuz; um par de luvas finas de lã (para que eu não exponha a pele quando tirar a luva externa para fazer fotos); um par de luvas de lã; um cachecol de lã; e um boné, também revestido em lã.
A pequena fresta do meu rosto que está exposta registra o ar frio, mas no geral a sensação é boa... Até agradável. Desde que você esteja vestido corretamente, penso eu, não é assim tão ruim. Em poucos minutos, porém, o clima gélido passa a se impor. A pele exposta começa a dar pontadas e depois fica adormecida, o que aparentemente é perigoso, porque significa que o fluxo de sangue para o local parou.
Então o frio penetra pela dupla camada de luvas e congela meus dedos. O boné e o capuz tampouco são páreo para os 43ºC negativos e minhas orelhas começam a pinicar. Em seguida as pernas sucumbem. Finalmente me vejo com dores agudas pelo corpo todo e tenho de voltar a um ambiente fechado. Olho no relógio: fiquei ao ar livre por 13 minutos! Yakutsk é a capital de Yakutia, região que abrange mais de 2.6 milhões de quilômetros quadrados e onde vivem menos de 1 milhão de pessoas. A cidade fica a seis fusos horários de Moscou, mas a viagem leva seis horas num precário avião Tupolev. A passagem custa pelo menos RS 1,8 mil ida e volta, uma enorme quantia num país em que o salário médio é de RS 930 por mês.
Não há ferrovia até Yakutsk. As outras opções são uma viagem de 1,6 mil quilômetros de barco subindo o rio Lena, nos poucos meses do ano em que ele não está congelado, ou então a "estrada dos Ossos", uma rodovia de 2 mil quilômetros construída por prisioneiros do Gulag (o sistema penal soviético).
Em Yakutsk a maioria dos carros é importada do Japão, de segunda mão, que aparentemente, resistem melhor ao frio do que os veículos russos tradicionais. Ainda assim, os moradores costumam deixar o motor funcionando, se vão parar apenas por meia hora
E alguns deixam-no ligado o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para garantir uma temperatura minimamente tolerável na volta para casa. A fumaça dos escapamentos contribui para a névoa que paira sobre a cidade.
A região foi inicialmente conquistada pelos russos na década de 1630. No século XIX era usada como prisão aberta para dissidentes políticos. Anton Chekhov, em sua Jornada de 1890 pela
Sibéria, pintou um quadro sombrio da vida dos prisioneiros dali. "Eles perderam todo o calor que já tiveram", escreveu. "As únicas coisas que lhes restam na vida são vodca, vagabundas, mais
vagabundas, mais vodcas... Não são mais seres humanos, mas bestas.” Lenin e Stalin foram dois dos presos políticos exilados em Yakutsk.
Lenin Square, Yakutsk/Yakutia Às 17h30 - 40ºC negativos A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os soviéticos decidiram transformar Yakutsk num importante centro regional, primeiro com o sistema de trabalho forçado do Gulag, depois colonizando a região com milhares de voluntários em busca de aventura, melhores salários e a chance de construir o socialismo no gelo. A mega-empresa Alrosa, responsável por 20% da oferta mundial de diamantes brutos, tem sua sede na região. Com o tempo Yakutsk virou uma cidade de verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades, entrega de pizza e até zoológico.
Apesar de os nativos manterem estoicamente seus afazeres e de crianças brincarem na neve da praça central, percebo que preciso de um táxi para continuar minha exploração.
Os 13 minutos que passei ao ar livre me deixaram sem fôlego, praguejando e cheio de dores, o meu rosto tão vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana no Caribe. Desabo na cama do hotel e preciso de meia hora para voltar a sentir meu corpo. A parte mais desagradável começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta à temperatura habitual, sentem uma cãibra quente sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo começa a coçar.
Vou ao mercado, cheio de gente vendendo peixe, porcos e coração de cavalo. Tudo
congelado.“É claro que faz frio, mas você se acostuma.” Diz Nina, uma yakut,que passa oito horas por dia de pé, na sua banca de peixes.
Os seres humanos se acostumam com qualquer coisa. Mas, ainda assim, o nível de resistência é difícil de compreender. Os operários continuam trabalhando na construção civil, até os 50ºC negativos.
Abaixo disso, o metal se torna quebradiço.
As aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo dos 55ºC.Embora o Jardim de Infância feche com 50ºC negativos. Shaun Walker escreveu esta reportagem para o jornal britânico THE INDEPENDENT
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