sábado, 30 de maio de 2009

O FRACASSO DE UMA NAÇÃO

O FRACASSO DE UMA NAÇÃO
Na mesa ao lado, três senhores conversavam buscando explicações para a inaceitável derrota de seu time. Pelo que entendi, havia consenso sobre as causas: elas eram de natureza tática. A defesa atuara em linha e tal fato permitira ao centroavante adversário, com apenas um drible, ficar “cara a cara” com o goleiro. O ataque insistira em convergir para o centro da área, embolando o jogo, reduzindo os próprios espaços e facilitando o trabalho da defesa contrária. Os ponteiros tinham sido pouco acionados. Cruzamentos sobre a área possivelmente teriam produzido melhores resultados do que as inúteis tentativas de avançar pelo meio da defesa. Continuei atento ao que ouvia. As regras do jogo de futebol suscitaram controvérsias acaloradas. Todos tinham saudades dos tempos de tais armadores, de quais zagueiros, e por aí afora. Manifestavam reverências por ex-presidentes e treinadores. Ufanavam-se de inolvidáveis títulos conquistados. Não estranhe leitor habitual destas linhas, a minha incursão no mundo do futebol. Já estou descalçando as chuteiras. Sei, no entanto, que o relato acima foi entendido por todos, pela simples razão de que nos tornamos analistas competentes do esporte nacional. Estamos aptos a comentar técnicas e táticas, relações de causa e efeito, escalações, influências das regras sobre o jogo, desempenho de dirigentes e treinadores. E guardamos, na memória e no coração, a história e os grandes vultos do clube de nossos afetos. Partida, no entanto quando se trata das instituições nacionais, das grandes questões do país, da política, enfim, quanta desatenção e superficialidade! Aí, onde não se joga o resultado de uma, mas os destinos de todos os bem comuns nos restringiram as mais limitadas periferias da informação e dos fatos. Não buscamos relações de causa e efeito, desconhecemos a história e seus vultos, e com eles nada aprendemos. Não nos interessamos pelas regras do jogo político, não percebemos seus erros, nem as conseqüências desses erros na conduta dos partidos e dos homens públicos. Mesmo cientes de que êxitos e sucessos de uma simples equipe de futebol não podem e não devem resultar apenas da atuação individual de alguém, fulanizamos o debate político como se tudo dependesse do que fazem ou dizem alguns figurantes do cenário. Não é paradoxal? No futebol, sabemos que bons resultados decorrem da convergência de vários fatores. Na política, pensamos e agimos como se regras, sistemas, instituições e modelos não tivessem qualquer importância. No futebol, observamos como jogam as boas equipes. Na política, desdenhamos quaisquer outras referências ou exemplos, convictos de que democracia mesmo, da boa, irretocável, é essa coisa horrorosa que temos aqui. Nem o mais apaixonado torcedor imaginará que seu time conquistará o título em função do que promete o treinador, do que os jogadores falam dos adversários, da coreografia da equipe após um golo ou do que toque a charanga no estádio. No entanto, os processos eleitorais se decidem, principalmente, em função do que os “atletas” dizem uns dos outros, do que juram fazer durante o campeonato, dos jingles e da cenografia dos programas políticos na tevê. Isso, caro leitor, é a receita para o fracasso de uma nação. Zero Hora, 30 de setembro de 2007. Percival Puggina. 30/9/07.

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