NO MUNDO DAS COTAS E DA JUSTIÇA
Percival Puggina. Revista Voto, edição de julho de 2007
A demagogia é um sucesso de público. Por mais que os fatos se encarreguem de desacreditá-los, sempre surgem novos demagogos e novas formas de sedução para iludir os eleitores. Aliás, não nos faltariam estadistas se a mentira e a demagogia não fossem mais atraentes do que a verdade.
Um dos fenômenos políticos importantes das últimas décadas no Brasil foi o abandono, pela maior parte da esquerda, de suas aspirações revolucionárias. Ela descobriu que bem mais produtivo do que a luta armada era anunciar o paraíso e cobrá-lo de quem estivesse no poder.
Dá certo e ninguém se machuca. Resultado: minguaram os velhos partidos populistas e cresceu geometricamente á esquerda. Hoje, nas campanhas eleitorais brasileiras, prometem-se empregos e moradias como se fazem apostas num jogo de pôquer: "Dez milhões!", diz um. "Teus dez mais dois!", rebate outro. "Teus dois mais quatro!", salta o terceiro. E o povão acredita.
O demagogo brasileiro incorpora três características da índole nacional: o hábito de botar a culpa nos outros, a mania de remendar os efeitos em vez de resolver as causas dos problemas, e o conceito de que, fora do esporte, competição é coisa de mau caráter. Um estadista, contemplando o perfil socioeconômico e racial da universidade pública brasileira diria que: 1º) ele é determinado pela péssima qualidade do ensino fundamental e médio nas escolas públicas e 2º) pelo injusto e equivocado perfil do gasto nacional em educação.
O estadista saberia que a injustiça não está na ausência de uma lei de cotas, mas no fato de que a União, primo rico da Federação, gasta bilhões de reais para pagar a universidade de quem poderia custear seus próprios estudos. Se esses recursos fossem aplicados para qualificar o ensino fundamental e médio, estaríamos agindo sobre uma das principais causas da desigualdade, sem agredir o mérito, único critério de seleção legítimo no ambiente acadêmico. Toda a juventude seria beneficiada, a sociedade se capacitaria melhor para o mundo moderno e a universidade ganharia em qualificação. Qualquer outro critério de acesso ou promoção (ideológico, político, social, racial, ou de classe) produz dano irreparável. Já o demagogo diz: “A culpa é dos desníveis sociais que beneficiam as elites!”, ou ainda: “Negros e pardos são 44% da população brasileira e apenas 20% da população acadêmica!”; e concluem: “Como eles provêem das deficientes escolas públicas, a solução é lhes proporcionar cotas nas boas universidades estatais!”. Resultado previsível? Expressiva perda de qualidade e nenhum ganho quantitativo. Há, no entanto, quem resulte convencido de que, finalmente, estamos zelando pelos necessitados nessa competição injusta.
Injusta é a situação descrita por um amigo meu, empresário, muito rico, que mantém uma escola para os familiares de seus funcionários. Um deles, certa feita, pediu-lhe auxílio para o filho, egresso desse estabelecimento. O jovem havia sido aprovado em uma universidade particular, mas estava sendo reprovado no vestibular da renda familiar. Esse meu amigo comentou comigo o absurdo da situação: seus três filhos cursavam uma universidade federal custeados pelos impostos pagos por aquele assalariado. Pode? No Brasil pode. E a esquerda “generosa” acha perfeito. Já à direita “socialmente insensível” denuncia tal situação como uma injustiça que brada aos céus.
Frutos dessa inominável injustiça são os filhinhos de papai que paralisaram a USP, entre outros motivos, porque queriam a abertura dos restaurantes (que servem refeições subsidiadas) nos fins de semana! Socialmente injustas são as universidades públicas às escuras no turno da noite, quando poderiam estar sendo aproveitadas pelos estudantes de poucos recursos que precisam trabalhar durante o dia.
Em vez de agirmos sobre as verdadeiras causas da injustiça social, que envolveria a virtuosa gestão dos recursos públicos e a priorização da igualdade na linha do partidor, estamos cristalizando a situação nesse ponto e pretendendo estabelecer a igualdade na linha de chegada, onde a justiça, como valor moral, exige que os primeiros sejam os melhores.
Percival Puggina. Revista Voto, edição de julho de 2007
A demagogia é um sucesso de público. Por mais que os fatos se encarreguem de desacreditá-los, sempre surgem novos demagogos e novas formas de sedução para iludir os eleitores. Aliás, não nos faltariam estadistas se a mentira e a demagogia não fossem mais atraentes do que a verdade.
Um dos fenômenos políticos importantes das últimas décadas no Brasil foi o abandono, pela maior parte da esquerda, de suas aspirações revolucionárias. Ela descobriu que bem mais produtivo do que a luta armada era anunciar o paraíso e cobrá-lo de quem estivesse no poder.
Dá certo e ninguém se machuca. Resultado: minguaram os velhos partidos populistas e cresceu geometricamente á esquerda. Hoje, nas campanhas eleitorais brasileiras, prometem-se empregos e moradias como se fazem apostas num jogo de pôquer: "Dez milhões!", diz um. "Teus dez mais dois!", rebate outro. "Teus dois mais quatro!", salta o terceiro. E o povão acredita.
O demagogo brasileiro incorpora três características da índole nacional: o hábito de botar a culpa nos outros, a mania de remendar os efeitos em vez de resolver as causas dos problemas, e o conceito de que, fora do esporte, competição é coisa de mau caráter. Um estadista, contemplando o perfil socioeconômico e racial da universidade pública brasileira diria que: 1º) ele é determinado pela péssima qualidade do ensino fundamental e médio nas escolas públicas e 2º) pelo injusto e equivocado perfil do gasto nacional em educação.
O estadista saberia que a injustiça não está na ausência de uma lei de cotas, mas no fato de que a União, primo rico da Federação, gasta bilhões de reais para pagar a universidade de quem poderia custear seus próprios estudos. Se esses recursos fossem aplicados para qualificar o ensino fundamental e médio, estaríamos agindo sobre uma das principais causas da desigualdade, sem agredir o mérito, único critério de seleção legítimo no ambiente acadêmico. Toda a juventude seria beneficiada, a sociedade se capacitaria melhor para o mundo moderno e a universidade ganharia em qualificação. Qualquer outro critério de acesso ou promoção (ideológico, político, social, racial, ou de classe) produz dano irreparável. Já o demagogo diz: “A culpa é dos desníveis sociais que beneficiam as elites!”, ou ainda: “Negros e pardos são 44% da população brasileira e apenas 20% da população acadêmica!”; e concluem: “Como eles provêem das deficientes escolas públicas, a solução é lhes proporcionar cotas nas boas universidades estatais!”. Resultado previsível? Expressiva perda de qualidade e nenhum ganho quantitativo. Há, no entanto, quem resulte convencido de que, finalmente, estamos zelando pelos necessitados nessa competição injusta.
Injusta é a situação descrita por um amigo meu, empresário, muito rico, que mantém uma escola para os familiares de seus funcionários. Um deles, certa feita, pediu-lhe auxílio para o filho, egresso desse estabelecimento. O jovem havia sido aprovado em uma universidade particular, mas estava sendo reprovado no vestibular da renda familiar. Esse meu amigo comentou comigo o absurdo da situação: seus três filhos cursavam uma universidade federal custeados pelos impostos pagos por aquele assalariado. Pode? No Brasil pode. E a esquerda “generosa” acha perfeito. Já à direita “socialmente insensível” denuncia tal situação como uma injustiça que brada aos céus.
Frutos dessa inominável injustiça são os filhinhos de papai que paralisaram a USP, entre outros motivos, porque queriam a abertura dos restaurantes (que servem refeições subsidiadas) nos fins de semana! Socialmente injustas são as universidades públicas às escuras no turno da noite, quando poderiam estar sendo aproveitadas pelos estudantes de poucos recursos que precisam trabalhar durante o dia.
Em vez de agirmos sobre as verdadeiras causas da injustiça social, que envolveria a virtuosa gestão dos recursos públicos e a priorização da igualdade na linha do partidor, estamos cristalizando a situação nesse ponto e pretendendo estabelecer a igualdade na linha de chegada, onde a justiça, como valor moral, exige que os primeiros sejam os melhores.
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