Quase sempre cobertos de razão, vivemos reclamando de tudo. Aliás, nós, brasileiros, junto com a certidão de nascimento, deveríamos receber um talonário para apresentar queixas. Não nos falem, contudo, em mudanças! É como se disséssemos: “Está tudo errado! Mas não mexe”.
Sobram exemplos. Na última terça-feira, Lula afirmou que o governo tem “coração grande” e propôs um “pacote da cidadania” que fará chover bilhões de reais. No mesmo dia, quase todos os novos governadores proclamaram a miserabilidade de seus Erários e anunciaram pesadas medidas para economizar tostões. Como é fácil, Lula, ter coração grande com o cofre cheio! Nosso modelo de federação flagela Estados e Municípios, mas é uma bênção para a União, que fica com 60% das receitas públicas formadas por seis dezenas de tributos. É um federalismo de estruturas superpostas e obrigações confusas, competitivas e não cooperativo, do qual a guerra fiscal é apenas uma das muitas faces. Juntas, essas estruturas drenam 40% do PIB nacional. Como se vê, tudo errado. Mas não mexe.
Nosso sistema político confunde coisas tão distintas entre si quanto Estado, Governo e Administração, em estruturas que favorecem o uso político e partidário daquilo que pertence à sociedade e só a ela deveria servir. Nenhum governo o evidenciou de forma tão escancarada quanto o atual, embora o fenômeno tenha a longevidade da República. É um presidencialismo corrupto e corruptor. Mas não mexe. Exacerbamos a tal ponto a independência dos poderes, que hoje, em vez de três poderes do mesmo Estado, é como se houvessem três poderosos Estados, antagônicos e irredutíveis nas suas demandas. Absurdo, mas deixa assim.
Enquanto as melhores democracias evitam a representação política dos grupos de interesse, nosso sistema eleitoral a estimula por todos os modos e transforma o parlamento em bolsa de valores das corporações. Mas esquece. Adotamos regras que favorecem a infidelidade dos partidos aos seus programas, dos parlamentares aos respectivos partidos e dos partidos da base do governo ao governo. Xinga o pessoal, mas não mexe. Em sistemas racionalmente concebidos, o governo é atribuição de solidária e responsável maioria parlamentar. No Brasil, o parlamento pode dizer ao governo que se lixe sem apresentar alternativa viável às suas propostas. Absurdo, mas deixa pra lá. A mesma dormência sacraliza uma legislação trabalhista cujas elevadas intenções já despejaram no desabrigo da informalidade mais da metade da força de trabalho do país.
Tamanha incapacidade de relacionar as dificuldades com suas causas e promover as necessárias mudanças torna impossível dar jeito em gravíssimos problemas estruturais. Somos uma nação que não anda porque se engessou nos próprios erros. Quem quiser alinhar o país com sistemas mais racionais ouvirá o velho refrão do qual já tenho os ouvidos roucos: “Não estamos preparados para isso”. Têm razão. Só estamos preparados para continuar assim.
Os critérios segundo os quais os eleitores votam para presidente são os mesmos pelosquais os congressistas escolhem os presidentes das casas do Congresso. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 07/01/07
Sobram exemplos. Na última terça-feira, Lula afirmou que o governo tem “coração grande” e propôs um “pacote da cidadania” que fará chover bilhões de reais. No mesmo dia, quase todos os novos governadores proclamaram a miserabilidade de seus Erários e anunciaram pesadas medidas para economizar tostões. Como é fácil, Lula, ter coração grande com o cofre cheio! Nosso modelo de federação flagela Estados e Municípios, mas é uma bênção para a União, que fica com 60% das receitas públicas formadas por seis dezenas de tributos. É um federalismo de estruturas superpostas e obrigações confusas, competitivas e não cooperativo, do qual a guerra fiscal é apenas uma das muitas faces. Juntas, essas estruturas drenam 40% do PIB nacional. Como se vê, tudo errado. Mas não mexe.
Nosso sistema político confunde coisas tão distintas entre si quanto Estado, Governo e Administração, em estruturas que favorecem o uso político e partidário daquilo que pertence à sociedade e só a ela deveria servir. Nenhum governo o evidenciou de forma tão escancarada quanto o atual, embora o fenômeno tenha a longevidade da República. É um presidencialismo corrupto e corruptor. Mas não mexe. Exacerbamos a tal ponto a independência dos poderes, que hoje, em vez de três poderes do mesmo Estado, é como se houvessem três poderosos Estados, antagônicos e irredutíveis nas suas demandas. Absurdo, mas deixa assim.
Enquanto as melhores democracias evitam a representação política dos grupos de interesse, nosso sistema eleitoral a estimula por todos os modos e transforma o parlamento em bolsa de valores das corporações. Mas esquece. Adotamos regras que favorecem a infidelidade dos partidos aos seus programas, dos parlamentares aos respectivos partidos e dos partidos da base do governo ao governo. Xinga o pessoal, mas não mexe. Em sistemas racionalmente concebidos, o governo é atribuição de solidária e responsável maioria parlamentar. No Brasil, o parlamento pode dizer ao governo que se lixe sem apresentar alternativa viável às suas propostas. Absurdo, mas deixa pra lá. A mesma dormência sacraliza uma legislação trabalhista cujas elevadas intenções já despejaram no desabrigo da informalidade mais da metade da força de trabalho do país.
Tamanha incapacidade de relacionar as dificuldades com suas causas e promover as necessárias mudanças torna impossível dar jeito em gravíssimos problemas estruturais. Somos uma nação que não anda porque se engessou nos próprios erros. Quem quiser alinhar o país com sistemas mais racionais ouvirá o velho refrão do qual já tenho os ouvidos roucos: “Não estamos preparados para isso”. Têm razão. Só estamos preparados para continuar assim.
Os critérios segundo os quais os eleitores votam para presidente são os mesmos pelosquais os congressistas escolhem os presidentes das casas do Congresso. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 07/01/07
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