terça-feira, 23 de novembro de 2010

GOLBERY NÃO FARIA MELHOR II

Quando se confirmou a reeleição do presidente Lula, surgiu-me uma pergunta: “Qual será, agora, o projeto petista para 2010?”. De fato, nos cinco últimos pleitos, ao longo dos quais esse projeto tinha orelhas pontiagudas e uma barba que se tornou grisalha, levar Lula à presidência era o mais importante objetivo do partido. No dia 29 de outubro, porém, esgotou-se a fase lulista e seria ingenuidade supor que o partido do presidente, com o porte e a organização que tem, fosse agir como as demais legendas nacionais, deixando para 2009 a definição de sua subseqüente estratégia. Igualmente imprudente imaginar que a eleição, a reeleição, tudo o que se descobriu, tudo o que não se descobriu nestes últimos quatro anos e tudo que vem pela frente não faça parte de um mesmo projeto de poder. Qual, então, sua seqüência?
A resposta não demorou 24 horas. No dia seguinte ao pleito, o presidente concedeu uma entrevista coletiva durante a qual afirmou que o ano de 2007 será o ano da Reforma Política. “Aí tem!”, pensei eu ao ouvi-lo. E, de fato, tinha. Logo após, Lula explicitou os principais tópicos da reforma que pretende. Eles são três: financiamento público de campanha voto em lista fechada e fidelidade partidária.
Financiamento público de campanha é uma questão lateral, que envolve gostos e desgostos pessoais. Eu não gosto. Creio que seja coisa aceitável apenas em nações ricas, nas quais essa despesa não envolva novos encargos ao contribuinte nem redução das disponibilidades para outras questões mais relevantes. Já o voto em lista fechada e a fidelidade partidária constituem instrumentos politicamente significativos e, tomados em conjunto, são como goiabada e queijo para um projeto de manutenção do poder.
Explico-me. O sistema atualmente vigente é o de lista aberta. Nele, o eleitor vota, dentro da relação de candidatos elaborada pelos partidos, no nome de sua preferência. As cadeiras se distribuem proporcionalmente à votação total de cada partido e os deputados são eleitos por ordem de votação. No sistema de lista fechada existem apenas votos de legenda, sendo a proporcionalidade calculada da mesma forma, mas as cadeiras correspondentes a cada partido são ocupadas segundo a ordem dos candidatos na lista do partido. Estar nas posições superiores da lista significa eleição assegurada.
Ora, qualquer pessoa com vivência partidária sabe que nenhuma sigla deixará de incluir no segmento superior da respectiva lista os detentores de mandato. Portanto, o modelo de lista fechada reduz as possibilidades de renovação parlamentar. E só há uma razão que pode ser legitimamente invocada para retirar um deputado de sua posição privilegiada no topo da lista: a infidelidade partidária. O parlamentar será sancionado com perda de posições na lista se não votar com a bancada, ou não apoiar candidaturas do partido em eleições majoritárias, ou contrariar decisões da sigla.
Tem-se aí, portanto, a receita completa para um projeto capaz de garantir a manutenção do poder pela base de apoio ao governo que está sendo estabelecida nestes dias.
Não, não estou vendo fantasmas. Estou lendo no livro dos fatos em curso e extraindo deles a inevitável conclusão. O que torna o projeto, conforme explicitado pelo presidente, extremamente viável e, por isso mesmo, perigoso, é ser ele muito sedutor para todos os envolvidos no processo decisório: os partidos da base e seus congressistas. Golbery não teria outra sugestão a dar. Autor: Percival Puggina. Difusão: Geraldo Porci de Araújo. 29/12/06

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