Suponho que exista, mas nunca vi o sujeito de quem falam com tanto afeto os defensores dos bandidos. A cada crime cometido por celerados que jamais poderiam andar soltos, eles mencionam esse raríssimo personagem-padrão. Discorrem sobre ele com a intimidade de quem certamente sabe o nome da sofrida mulher e dos infelizes filhos. Descrevem sua situação social, os empregos que perderam, os maus tratos que receberam da vida por culpa de todos que estejam uma polegada acima de seus padrões de existência. Apesar do abismo que separa esse sujeito dos bandidos que enchem as páginas policiais, os tais doutores o oferecem ao imaginário nacional como sendo nosso criminoso de referência. “Filho doente, sem emprego nem dinheiro para os remédios, como buscar aquilo de que necessita?”, indagam como quem fala à dureza de corações empedernidos. Pois é, pode até ser que alguém tenha tido notícias, mas eu jamais soube de assalto cujo produto seja contado em vidros de antibiótico ou gramas de mortadela. O crime que enche os noticiários, que nos atormenta, é bem outro. Seus autores não vão em busca de uma necessidade premente. Querem dinheiro, sexo, automóveis, a conta bancária dos seqüestrados, meios para comprar drogas. E, à menor contrariedade, atiram para matar. Os três sujeitos armados que por um triz não me assaltaram numa noite dessas não tinham jeito de quem iria dali ao supermercado adquirir gêneros para seus ninhos de amor familiar. Pergunto: as feras que incendiaram um ônibus cheio de gente no Rio de Janeiro seriam imagem viva desses chefes de família torturados ao limite de sua resistência moral pelas carências de entes queridos? Qual dos jovens que esfacelaram uma criança no asfalto se enquadra no perfil romântico que os tais doutores, sem o refinamento de Mark Twain, descrevem com requintes que parecem saídos de uma página de Huckleberry Finn? Sei que o velho Código Penal Brasileiro, o mais empedernido promotor e o mais insensível magistrado não encarcerariam um miserável cuja situação e delito correspondam ao perfil que tais doutores desenham. Os bandidos que a sociedade quer ver jogando o jogo da velha nos quadrinhos do xadrez são receptadores, quadrilheiros, seqüestradores, traficantes, pedófilos, estupradores, estelionatários, assassinos, corruptores e seus fregueses instalados nos escritórios do poder. Processar com rapidez, prender e manter presos os poucos que caem nas malhas da polícia e da justiça – digo eu antes que os tais doutores retornem com seu mantra – não resolve o problema da criminalidade. Leram-me bem, senhores? Não resolve! Mas resolve o problema da criminalidade praticada por esses específicos bandidos. E isso já é um bom começo. Que paguem atrás dos muros o mal que fizeram. Enquanto isso, cuide-se, também, das outras muitas causas. Entre elas, aliás, a ideologização que afeta o discernimento dos tais doutores, porque sua ladainha sentimental se constitui em bom estímulo à tolerância perante o crime, ao avanço da violência e à ruptura da ordem pública. Autor: Percival Puggina. Difusão: GBeraldo Porci de Araújo. 23/02/07.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
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